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- 15/05/2020
- Geral
Homofobia: reconhecer o preconceito é o primeiro passo para mudar a sociedade
Há 30 anos a homossexualidade era excluída da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID) da Organização Mundial da Saúde (OMS). Desde então, o dia 17 de maio é lembrado como o Dia Internacional contra a Homofobia. Apesar de a sociedade ter evoluído muito, o preconceito ainda é fato gerador de altos índices de violência. Em Passo Fundo, muitas dessas situações chegam ao Projur Mulher e Diversidade.
No Brasil, a homofobia é crime desde junho de 2019, quando, por maioria, o Supremo Tribunal Federal reconheceu que são considerados crimes os atos atentatórios a direitos fundamentais dos integrantes da comunidade LGBT. Apesar dessas decisões importantes e de direitos reconhecidos terem sido conquistados ao longo das últimas décadas, a violência ainda é uma realidade de gays, lésbicas, bissexuais, transexuais, travestis e tantos outros que vivem, de maneira livre, a sua sexualidade.
Segundo a professora Dra. Josiane Petry Faria, o Projur atende todas as questões de diversidade, no entanto, as demandas que chegam, são muito inferiores às existentes na comunidade. De acordo com ela, os principais casos dizem respeito à violência verbal, preconceito, injurias, ameaças e exclusão social. Atitudes que produzem mais um percentual negativo: 37%, de adolescentes e jovens gays abandonam a escola por conta do preconceito.
Para Josiane, a manutenção da homofobia transcende questões de opinião ou ideologia. Exemplo dessa cultura, era a impossibilidade de gays e lésbicas fazerem doação de sangue. “Agora, com a pandemia, numa situação em que os estoques de sangue estão quase em zero, se passou a permitir a doação para gays e lésbicas. Veja bem, só numa situação extrema é que se passou a admitir, uma questão que era baseada exclusivamente pelo preconceito, visto que as pessoas chegavam com os exames em dia, em condições mais saudáveis do que muitos héteros e, simplesmente pelo fato de se identificarem como gays, eram impedidos de doar. Esse é um exemplo atroz da manutenção do preconceito pelo estado, mostrando que não é apenas um comportamento das pessoas, mas uma questão estrutural”, pontua.
Apenas a lei não muda a realidade
Ainda que a criminalização da homofobia não tenha sido capaz de reduzir os dados da violência imediatamente, viabilizou uma realidade em que é possível computá-los e ter estatísticas sérias e oficiais a respeito de todo tipo de agressão, desde lesão corporal, homicídios, crimes contra honra e ameaças motivadas pela homofobia. Para Josiane, a lei permitiu contabilizar e reconhecer que, pela liberdade sexual, as pessoas ainda são vítimas de violência no Brasil.
Ela ressalta que, a partir da chegada da lei, é possível a construção de políticas públicas coordenadas e organizadas, para que essas situações não fiquem única e exclusivamente de responsabilidade da sociedade civil. “O reconhecimento do preconceito é o primeiro passo. Seguido escutamos aquela história ‘eu não sou preconceituoso, tenho até amigos gays’, mas as pessoas não se dão conta de que nesta frase já consta um preconceito. Então, nós refletirmos, pararmos para pensar as nossas próprias atitudes e reconhecermos que somos preconceituosos é um primeiro passo para mudar o comportamento. Essas brincadeiras jocosas e ofensivas não são piadas. Não são engraçadas ou divertidas quando você está rindo de alguém. Brincar com alguém é saudável, mas fazer uma pessoa de brinquedo simplesmente por ela decidir manifestar sua liberdade sexual é ofensivo, inadmissível”, ressalta a coordenadora.
Para ela, ainda é preciso evoluir no reconhecimento dos direitos. “Enquanto ainda se considerar que pessoas que não têm acesso aos seus próprios direitos são menos favorecidos ou menos privilegiados, teremos um problema social sério, visto que o direito não é um favor, direito não é um privilégio. Se temos pessoas com acesso aos direitos e outras não, não podemos aceitar. Essa não é uma luta de quem não teve acesso, mas de todos nós. Quando todos tiverem acesso aos seus direitos, aí sim, teremos um país desenvolvido econômica e socialmente”, destacou.
Na opinião da professora, ações de combate á violência e ao preconceito não devem depender das pessoas individualmente, de organizações não governamentais ou das universidades, mas é preciso um trabalho comprometido e coordenado no país inteiro e que se comunique com os programas e projetos públicos da América Latina. “O Brasil não é uma ilha e precisamos reconhecer o lugar em que estamos e o estado, que está na salvaguarda da Constituição, precisa ser presente e ativo nesse papel. Questões ideológicas não podem ferir ou permitir a violação de direitos”, frisa.
A homofobia dentro de casa: relatos de dor e preconceito
Por mais doloroso que seja, o primeiro preconceito sofrido por homossexuais ocorre, em grande maioria, dentro de suas próprias casas. Quando os costumes pré estabelecidos fazem parte da rotina de muitas famílias, aceitar ou entender a homossexualidade vira motivo de violência.
Eduarda, que optou por não se identificar para preservar sua identidade, se descobriu como lésbica muita nova. Filha de pais conservadores, a marauense de 18 anos, desenvolveu crises generalizadas de ansiedade e depressão, com pensamentos suicidas, em virtude da reação violenta dos pais ao se assumir: chutes, tapas e repulsão. "Eu lembro de tirarem meu celular e olharem conversas. Fui chamada de diversos nomes e apanhei muito, de cinta, chinelo. Em uma ocasião minha mãe me fez tirar a roupa só para me bater e depois veio no meu quarto pedir para eu me matar", relata.
A jovem que compensou o que acreditava ser uma “falha” em si nos estudos, aponta diversos casos de homofobia e agressão pelos pais. “Passei anos me odiando e odiando a ideia de não ser o que todo mundo esperava. Acredito que uma das piores partes que um LGBT+ passa é a autoaceitação. Buscava sempre ser a melhor, tirar as melhores notas, receber o reconhecimento para não notarem essa “falha” em mim”, comenta Eduarda.
Para Eduarda, a importância da criminalização da homofobia não vem só agregar a representatividade, mas em grande parte, para fazer questionamentos sobre como estamos tratando assuntos de suma importância. "Quando o Estado se envolve as pessoas tendem a pensar: porque é tão errado que o Governo criminalizou? E, por mais que inconscientemente, essa relação de que o ódio é gerado vai passando por gerações. Apesar de ser um processo muito lento e gradual, é fundamental para a linha de partida do fim desse tipo de discriminação", pontua a jovem.
Bruna, que também preferiu não se identificar, vive a mesma dor e trauma de Eduarda: a insegurança de não ser aceita e talvez nunca, respeitada. Ambas, lésbicas e adolescentes, comentam sobre como foram omitidas e machucadas dentro de suas próprias casas por entes queridos e que deviam, ser ponto de apoio. “Quando meu pai descobriu lembro dele puxando uma cadeira e sentando do meu lado. Mandou eu repetir várias vezes que era tudo uma mentira, que eu não gostava de mulheres e que só não tinha encontrado o homem certo. Quando, na última vez falei que não podia mudar porque havia nascido assim, apanhei”, relata a jovem de 20 anos.
A estudante de Direito comenta ainda, sobre como a decisão de criminalização é importante para proteção mínima da comunidade LGBT+. “Nós não estamos seguros nem dentro das nossas casas, agora imagina na rua, com pessoas que sequer sabemos quais são os ideais. Criminalizando, podemos ao menos, tentar diminuir nossos traumas, sequelas e medo de ser quem somos”, finaliza.