Quilombo Mormaça

QUILOMBO MORMAÇA: UM EXEMPLO DE LUTA E RESISTÊNCIA

Caroline Da Silva Marafon, Isadora Zardo Perin, Jean Gabriel Matieski, Yasmin Hausen Tavares Da Silva e Germano Prause Da Silva

História da África e da Cultura Afro-brasileira | Turma 2024.01 | Curso de História | Universidade de Passo Fundo

 

A definição do que seria um quilombo vêm sendo debatido e se ressignificando culturalmente há muito tempo, passando a ser discutido principalmente depois da constituição do Movimento Negro, a partir da década de 1970. Conforme o Dicionário das Relações étnico-raciais contemporâneas, o termo deriva de usos originais em África e ressignificações no Brasil. A origem deriva do umbundu, compartilhada pelos povos bantu, para designar acampamento ou lugar fortificado. A partir do século XVII passou a designar, ainda em África, a instituição guerreira imbangala, dos povos jagas.

No Brasil o termo aparece no século XVII, em Pernambuco para referir-se a habitações de negros fugidos, em partes despovoadas. Seu uso vai se consolidando e substituindo, em todo o território da América Portuguesa, depois Brasil, o termo mocambo, inicialmente designador de comunidades articuladas a partir de escravizados fugidos. Atualmente a definição de um quilombo vai muito além de um “espaço de pessoas negras” ou “terras de negros”, sabemos que não são somente ex-escravizados que habitavam e habitam o quilombo mas também indígenas e refugiados de outras etnias. O território quilombola é exemplo de história, memória, vida, luta e resistência dos povos e comunidades tradicionais.

De acordo com o I Plano Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana, povos e comunidades tradicionais de matriz africana são definidas como “grupos que se organizam a partir dos valores civilizatórios e da cosmovisão trazidos para o país por africanos para cá, transladados durante o sistema escravista, o que possibilitou um contínuo civilizatório africano no Brasil, constituindo territórios próprios caracterizados pela vivência comunitária, pelo acolhimento e pela prestação de serviços à comunidade” (Brasil, 2013, p. 12).

No norte do Rio Grande do Sul, a comunidade de quilombolas de Mormaça fica localizado no planalto médio rio-grandense, a oeste de Sertão-RS, emancipada em 1963, a uma distância de cerca de 7 km da zona urbana. O quilombo está próximo a outra comunidade tradicional afrodescendente, a Arvinha.

Território das Comunidades Quilombolas Arvinha e Mormaça.
Fonte: https://acervofundiario.incra.gov.br/acervo/acv.php.
Elaboração: Rosana Corazza.

 

A comunidade quilombola de Mormaça tem seu nome em homenagem à Francisca Vieira da Silva ou Chica Mormaça, uma das primeiras moradoras do quilombo e importante figura que atuou como curandeira e parteira da região. Seu marido era conhecido por Mormaço, logo, Chica recebeu a mesma alcunha, tornando-se conhecida como Chica Mormaça. O casal teve quatro filhos criados na terra onde sua mãe morava. Apesar do quilombo referir-se a Mormaça, a organização inicial se deu sob a condução de sua mãe, Firmina Vieira.

Francisca Vieira da Cruz – a Chica Mormaça.
Fonte: Muller et al. (2007, p. 03).

 

A região compreendida como 3° Distrito de Passo Fundo (1933-1963), hoje chamada de Sertão, era propriedade dos vizinhos e concunhados Francisco Barros de Miranda e Amâncio de Oliveira Cardoso. Amâncio de Oliveira Cardoso tornou-se figura influente da região e vice-presidente da Câmara de Vereadores. Talvez por ser abolicionista, ou tomado por impulso, alforria sua escravizada Firmina Vieira, mãe de Chica Mormaça.

Francisco de Miranda e Amancio de Oliveira participam no ano de 1871 da fundação, em Passo Fundo, da Sociedade Emancipadora das Crianças do Sexo Feminino que visava alforriar escravas e incentivar a campanha abolicionista, o que teoricamente, deveriam concordar com a “libertação”, como lembra Oliveira (2014). Firmina Vieira, com 26 anos, estabelece moradia provavelmente por apossamento consciencioso, a viver com sua família de três filhos em um território próximo de seus antigos patrões, numa realidade territorial onde o alicerce foi a subsistência, a preservação cultural e a luta por um espaço em meio ao campo.

Todavia, a tranquilidade não reinou por muito tempo. A partir do ano de 1907, com a política pública estadual de “ocupação espacial, povoamento e produção mercantil” no norte do Rio Grande do Sul, mais precisamente no atual município de Sertão, começam a chegar imigrantes italianos e alemães e se inicia o processo de medição de terras. Com o crescente aumento da estrutura familiar desses (i)migrantes e com a falta de terras livres para ocuparem nas chamadas “colônias velhas” (região serrana) e na região central do estado, muitos chegam à região norte com a oferta de empresas de terras “férteis e próprias para agricultura”. A chegada dos imigrantes na região e o processo de medição de terras foi benéfico para os novos proprietários de terras e moradores, mas prejudicial para os membros da comunidade da Mormaça que já estavam na região e tiveram que diminuir gradativamente seu território.

Figura 3:
Área atual do Quilombo.
Fonte: BELLÉ, Marina (2015, p. 06).

 

De acordo com o Censo do IBGE de 2022, atualmente o quilombo da Mormaça conta com 71 moradores distribuídos entre 21 famílias. Mormaça é um dos maiores exemplos de resistência, luta e permanência quilombola no norte do estado do Rio Grande do Sul, com mais de cento e cinquenta anos de existência. A comunidade luta pela ocupação de seu território original. Mesmo após reconhecimento legal pelo Incra em 2015, os povos e famílias ainda são privados de ocupar seu território total, que contaria com cerca de 410 hectares.

Referências

BELLÉ, Marina. Quilombo Mormaça: Uma proposta projetual. Trabalho Final de Graduação 1 (Arquitetura e Urbanismo) - UFFS: Erechim, RS, 2015.

BRASIL. I Plano Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais De Matriz Africana. Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. 1a edição. Brasília, 2013.

OLIVEIRA, H. L. Comunidades remanescentes dos quilombos de Arvinha e Mormaça: processos educativos na manutenção e recuperação do território. Tese (Doutorado em Educação) - Unisinos: São Leopoldo, RS, 2014.

PINO, V. A. F. Territórios quilombolas em terras do sul: Confluências entre oralidade, história e resistência. Tese (Doutorado em Letras) - UFRGS: Porto Alegre, RS, 2022.

RIOS, F.; SANTOS, M. A. dos; RATTS, A. Dicionário das Relações étnico-raciais contemporâneas. São Paulo: Perspectiva, 2023.

SANTOS, S. dos. Territórios Étnicos no Pós-Abolição: o caso do Quilombo da Mormaça (RS). Fronteiras: Revista de História, vol. 11, núm. 19, enero-junio, 2009, pp. 127-141.