“Palavra dita é palavra empenhada”
Houve um tempo em que não honrar a palavra dita poderia acabar no fio de uma espada.
Na década de 20, durante o período de fortalecimento da política gaúcha frente à política nacional (café-com-leite), ocorreu um fato curioso com dois políticos respeitáveis do estado: Antônio de Bittencourt Azambuja e José Antônio Flores da Cunha.
Bittencourt Azambuja era advogado, formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e exerceu o cargo de promotor público da cidade de Passo Fundo. Nos anos 1920 expressou seu interesse pela política e ingressou no Partido Liberal, onde foi eleito e exerceu dois mandatos como deputado estadual. Porém, em 1927, devido a alguns desentendimentos dentro do seu partido, Azambuja foi convidado pelo então governador do estado Borges de Medeiros a se candidatar a deputado federal. Recebera também o apoio de Flores da Cunha, deputado estadual pelo PRR - Partido Republicano Rio-Grandense (o mesmo de Borges de Medeiros). Já havia nessa época uma tendência de entendimento entre o Partido Liberal e o PRR que culminaria mais tarde na FUG – Frente Única Gaúcha (base de sustentação à candidatura de Getúlio Vargas a presidência).
Flores da Cunha, general e advogado formado pela Universidade do Rio de Janeiro, e também deputado estadual, quando deu por si do crescimento e fortalecimento da candidatura de Bittencourt Azambuja, na véspera do pleito retirou o seu apoio a ele através de telegramas enviados a seus amigos e aliados políticos. Azambuja ofendido com tal ato foi à imprensa gaúcha e condenou a atitude tomada pelo general. Foi o estopim para que Flores da Cunha também se sentisse desonrado e o desafiasse para um duelo. Devido ao grande burburinho que esse desafio causou, Azambuja enviou para o diretor do jornal porto-alegrense Diário de Notícias a carta para publicação onde o advogado explicava o ocorrido:
“Chegando a esta capital a 18 do mês fluente (março), no mesmo dia, às vinte horas, os coronéis Francelino Meirelles e Victor Dumoncel Filho, na qualidade de testemunhas do general e em seu nome, dizendo-o ofendido pelas publicações que eu fizera, exigindo-me satisfação plena ou reparação pelas armas. Nessa ocasião redargüi-lhes imediata e peremptoriamente, que não lhe daria satisfação alguma e que aceitava o oferecimento desse duelo, para solução do caso, onde e quando quisesse o meu adversário.”
O advogado redigiu uma carta convocando os doutores Dutra Villa e Pires Gonçalves como suas testemunhas, para que fossem a Porto Alegre e assim pudessem combinar as condições da luta. Porém, quando as testemunhas do advogado chegaram ao local marcado, foram informados pelas testemunhas do general que devido a grande estima que todos tinham pelos dois duelistas foi organizado um Tribunal de Honra, para que não houvesse derramamento de sangue. Ambos concordaram com o julgamento. O tribunal então alegou que quando Flores da Cunha retirou o apoio da candidatura de Azambuja, ele não teve a intenção de desconsiderá-lo ou ofendê-lo. Azambuja então declarou que só veio a público com essa história para repreender o ato tomado pelo general: “Se o seu ato não foi, para mim, uma ofensa, cessou a razão de ser da minha represália. De igual para igual, porque a hombridade equipara os homens”.
Hoje em dia, tanto na política como na maioria das relações entre as pessoas, os valores corretos como respeito e honra foram distorcidos e até mesmo esquecidos. Palavra dita, escrita, inclusive filmada, não tem a mínima importância.