David Canabarro 2

21 de agosto de 2012

O Viés da Liberdade - ou “O que é isso, Canabarro”? (Parte II)

Seguimos com o relato sobre um curioso acontecimento da guerra civil de 1835-1845, especificamente do momento em que o cidadão Leocádio, em 1841, se dava conta de que talvez a liberdade até fosse algo interessante...

Após ter rogado a Canabarro que não poderia servir em razão dos seus afazeres pessoais, Leocádio foi mantido sob os cuidados de um certo Tenente Sousa, e deveria marchar em alguma movimentação dentro de poucos dias. O fato de Leocádio sempre ter sido afeto à causa farroupilha não era suficiente para que Canabarro o liberasse de suas fileiras (a frase está correta, por maior que pareça o paradoxo). O espanto do cidadão aumentava com o fato de que jamais havia sido recrutado!

Em seu relato desesperado a Domingos José de Almeida, Leocádio achava estranho que nenhuma força inimiga se apresentasse nas imediações, e até mesmo estivessem se licenciando as tropas de Guardas Nacionais, mas ele, tendo tantos afazeres, fora recrutado sem mais explicações. Seria a pouco provável necessidade imediata de soldados? Seria vingança pelo infortúnio de levar Canabarro a ouvir uma reclamação relativa a um negro? Mais segredos do nosso General.

Leocádio pedia para que o Ministro Domingos lhe enviasse uma portaria que pudesse apresentar a Canabarro para deixar a tropa. Enfim, sua boa relação com Almeida lhe possibilitou o recebimento da portaria – as mesmas relações que possibilitavam arrendamentos mais que suspeitos. Há que se ressaltar que, relativo ao escravo, o Ministro farroupilha não discordava da entrada de Duarte para o Exército, concordando com a postura do General Canabarro. Isso por que seu proprietário legítimo era realmente mal quisto pelos rebeldes.

Menos de um mês depois, Leocádio entrava em comunicação novamente com o Ministro. O General não havia aceitado a portaria, indignando-se com a petulância de ser enviada reclamação ao Ministro sem sua licença. Canabarro ficou com o requerimento, dizendo que assim era necessário, e prendeu o cidadão no piquete do Exército. Quando Leocádio escreveu o segundo ofício pedindo ajuda para o Ministro Almeida, com quem mantinha ótimas relações, já há três dias estava preso, não dando importância o General para suas explicações. Para tirá-lo das vistas de Canabarro, Almeida lhe ofereceu um emprego na sua jurisdição, o que foi, obviamente, aceito por Leocádio. A situação foi resolvida, pois no mês seguinte há relatos de Leocádio negociando gado em outra região, juntamente com um amigo.

Quanto ao escravo Duarte, nada mais sabemos. Possivelmente tenha se mantido nas tropas farroupilhas, ocorrendo o pagamento de seu valor aos seus arrendatários ou não. É um grande candidato a ter presenciado a traição de Porongos, quando os negros lanceiros foram desarmados por ordem do General Canabarro, sendo massacrados por Chico Pedro, o Moringue, para acelerar as tratativas de pacificação. Triste madrugada de 14 de novembro de 1844. Esperamos que Duarte não tenha trocado uma vida de escravidão por sorte ainda pior, por uma liberdade totalmente controversa.

“O que é isso, Canabarro?” não foi uma frase escrita por Leocádio em seus ofícios enviados a Almeida, nem nada nos leva a supor que ela tenha sido dita por ele, até porque a falta de respeito ao não lembrar o cargo de General de Canabarro, seria uma falta grave. Mas não importa, muita coisa sobre a Guerra dos Farrapos também não foi dita, o que não elimina a existência de situações contraditórias e instigantes naqueles anos de guerra civil.

Ânderson Marcelo Schmitt
Mestrando em História na UPF
Fonte: Acervo AHR
* Os artigos expressam a opinião de seus autores.

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