TÊDÊCÊ
19 de março de 2012
TÊDECÊ
Dezembro de 1959. Alguns dias após o Natal é publicada em forma de crônica uma critica ao que seriam as falsas verdades do Natal, apresentando outra visão da tradicional festa cristã. O artigo fora divulgado no jornal O Nacional por TêDeCê, pseudônimo do autor. Sua descrição sobre o evento natalino teria partido da observação de dois garotos ricos que disputavam quem tinha ganhado o melhor presente e, simultaneamente, da visão de outro garoto que mendigava algumas moedas. Esta leitura causou certo desconforto na sociedade passo-fundense e resultou na ida deste jovem a Porto Alegre. Seria apenas a primeira publicação polêmica na carreira de Tarso de Castro, que desde os doze anos trabalhou no jornal de seu pai, Mucio de Castro.
O jovem jornalista chegou a capital gaúcha e logo teria se identificado com Samuel Wainer, por ser “um revolucionário no jornalismo brasileiro”, segundo o próprio Tarso. Samuel, mais tarde, se tornaria grande amigo, além de seu chefe no jornal Última Hora. Em 1963, Tarso tornou-se editor e criador d’O Panfleto. Esse jornal - porta-voz do movimento criado por Brizola e conhecido por Grupo dos Onze – defenderia as bandeiras das chamadas reformas de base (bancária, fiscal, universitária, administrativa e, principalmente, urbana e agrária). Este jornal seria um dos primeiros a publicar charges humorísticas e de conteúdo critico no Brasil e viria a ser censurado pelo governo ditatorial com o Ato Inconstitucional N°5, que exacerbava as disposições antidemocráticas e inaugurava o período mais arbitrário e repressivo do período militar.
Neste contexto, onde quase tudo era censurado pela ditadura e o controle das manifestações culturais deveria caber exclusivamente ao Estado, a explosão de ironia e irreverencia que surgiam dos textos de Tarso começaram a esboçar o que viria a ser um dos periódicos de maior expressão contra ditadura militar brasileira: O Pasquim. Já vivendo no Rio de Janeiro, TêDeCê se tornou parceiro de ideias e de boemia das principais personalidades da época, tais como Sergio Cabral, Jaguar, Ziraldo, Nelson Rodrigues, Vinicius de Morais e muitos outros.
Criado como um panfletário semanal, não apenas para questionar o sistema de governo, mas para reverter o jornalismo “sério” de forma inteligente, O Pasquim teve como fundadores principais Jaguar e Tarso de Castro. A pretensão inicial era atingir apenas o bairro carioca de Ipanema, onde a chamada “Patota” – os redatores e colaboradores da publicação – frequentava bares e discutia as pautas do próximo número. Desde sua criação, em 1969, o jornal mostrou-se polêmico e inovador em entrevistas e declarações, o que repercutiu em vendagens e abrangência de distribuição. O Pasquim chegou a inesperada tiragem de 200 mil exemplares. Com esta repercussão, o Governo considerou-o “um instrumento de grupo subversivo, com o objetivo de destruir a família brasileira”, tendo sido censurado diversas vezes. Muitos dos autores que publicavam no periódico tiveram que deixar o país e outros, como o próprio Tarso, foram presos, na tentativa do governo de silenciar este grupo do jornalismo. Tarso se manteve n’O Pasquim até 1971. Sua saída seria resultado de inúmeras divergências e discussões entre membros da Patota. O jornal fora publicado até novembro de 1991.
Tarso de Castro, escritor polêmico, é lembrado até hoje como um homem que tinha coragem e irreverencia nas palavras, mulherengo assumido e boêmio incondicional. Sua atitude de questionar o corriqueiro Natal na Passo Fundo de 1959 iniciou um legado intelectual que culminaria na criação d’O Pasquim, evidenciando a força de sua atuação jornalística e política, para além das avaliações sobre sua vida privada, que tem preponderado em avaliações sobre o autor. TeDeCê, tornou-se um dos maiores nomes da luta contra a linha dura no período militar brasileiro. Boêmio, mulherengo e político, eis elementos marcantes de Tarso de Castro que evidenciam suas múltiplas facetas mas que não diminuem a força de sua obra e atuação.
Emanuel A. Machado da Silva
Acadêmico do Curso de História/UPF
Fonte: Acervo do AHR
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