Tolstói

23 de julho de 2012

“O que eu penso da guerra” – Reflexos de Leitura

Quando fui impelido a criar este artigo para a coluna Memórias do AHR fiquei imaginando, “meu Deus, o que escolher?”. Tudo parece tão interessante – e principalmente relevante - que se torna um ato extremamente injusto escolher de forma arbitrária um livro ou apenas um tema para discursar sobre o seu conteúdo maquiavelicamente. Resolvi então escrever sobre o porquê de todos os assuntos me parecerem tão interessantes. Primeiramente devo explicar que sou estagiário no Arquivo Histórico Regional e acadêmico do curso de História da Universidade de Passo Fundo. Como iniciante no curso, um assunto que me chamou atenção e é muito importante para este artigo foi discutido na disciplina Introdução aos Estudos Históricos: a questão que envolve os testemunhos voluntário e involuntário que são utilizados como fontes pelo pesquisador.

O testemunho voluntário agrega basicamente as informações que o locutor expôs com consciência, ou seja, geralmente a ideia central, o conteúdo mais explícito do texto. Em contrapartida existe o testemunho involuntário, este muito excitante, que coloca o leitor no papel do “investigador diante de um crime”; sob esta ótica devem-se procurar características ou informações passadas involuntariamente pelo autor, escritor ou locutor. São exemplos de informações involuntárias ferramentas de contextualização usadas pelos autores, que apresentam muitas características da mecânica do raciocínio do indivíduo, além de mostrarem um pouco do meio onde aquele está inserido. O próprio assunto já denota muitas interpretações possíveis.

Observando desta forma, qualquer panfleto de propaganda tem algum conteúdo carregado de significado. Então, em meio a meus trabalhos de organização e limpeza da biblioteca auxiliar do Arquivo eis que vem até mim um pequeno livro, publicado pela editora Livraria H. Antunes, chamado O que eu penso da guerra, escrito pelo Conde Leão Tolstoi, cuja edição é do ano de 1909. A obra foi traduzida por uma pessoa que eximiu seu nome do livro (talvez esse fosse o padrão editorial...) e a quem agora, 103 anos depois, não posso delegar o devido crédito. Como sou um apreciador de Tolstoi, somado a antiguidade do livro, fui exercitar os conteúdos recém-aprendidos na universidade. Logo pude constatar a peculiaridade da grafia do início do século passado com suas palavras atualmente excêntricas como “prophetas", “condemno”, “seducção”, “syndicaes” ou “soffrem”, etc., encontradas logo nas páginas iniciais da publicação. Confrontado com este gigantesco número de palavras diferentes, acabei descobrindo que a padronização da escrita portuguesa só foi iniciada com o primeiro acordo ortográfico de 1931, complementado por várias outras medidas e, mais recentemente, com o acordo de 2008.

O livro O que eu penso da guerra também desafiou meus conhecimentos sobre história geral ao citar a Revolução Russa de 1905 - que foi considerada um ensaio da revolução de 1917 que instaurou o governo bolchevique encabeçado por Vladimir Lênin na Rússia. Mais um pouco e meu cérebro recorda sobre os motivos da guerra russo-japonesa de 1905 – basicamente a posse dos territórios da Manchúria e Coréia por parte dos impérios russo e japonês –; a derrota russa agravou a situação do já combalido regime czarista. No texto o autor defende também uma ideia interessante quando profere “onde reside a civilização? Porque razão queres que eu coloque forçosamente na Europa? – Tecnologia não significa superioridade moral”. Com esta declaração Tolstoi é muito claro em sua crítica a ideia de modelo de civilização que os países europeus estabeleceram para si próprios, legitimando assim seus interesses e domínio sobre vastos territórios de todo o mundo (vários elementos do tal testemunho involuntário!).

Essas informações servem para situar o leitor daquele tempo e foram usados para contextualizar e exprimir a ideologia de Tolstoi, sua abominação pela guerra e pela autocracia; além de enfatizar que “as repúblicas são iguais autocracias disfarçadas”. Além de um repúdio a guerra, Tolstoi apresenta uma crítica aos sistemas de governo existentes.  Ele se nomeia como um “anarquista cristão” e prega que vivamos a vida como Jesus – na obra sua teoria é pormenorizada.

Para finalizar é preciso ter em mente que o texto ao qual tive acesso é uma tradução, realizada por alguém não nominado e as traduções sempre acabam gerando modificações feitas de forma voluntária e involuntária. Citar isso é importante e interessante. Estes são fatores humanos e relevantes – é importante que sempre se olhe um livro de forma cuidadosa, atentando para o contexto, principalmente o contexto temporal e cultural em que este livro é escrito e traduzido. Quem desejar saber mais sobre Tolstoi ou sobre outros assuntos de uma forma que desafie a atenção e satisfaça a mente, basta dirigir-se ao Arquivo Histórico Regional, localizado no Campus III da Universidade de Passo Fundo.

Pedro Alcides de Mello
Acadêmico do Curso de História
Fonte: Acervo AHR
* Os artigos expressam a opinião de seus autores.

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