Secretaria de Terras Públicas do RS
04 de setembro de 2013
A “Bota do Agrimensor”: Mapas e plantas da Colonização Rio Grande do Sul
O Arquivo Histórico Regional reúne em seu acervo conjuntos de documentos de significativa relevância de diferentes tipologias gerados tanto no espaço público como no privado. Referem-se à história de Passo Fundo e também da região na qual se inserem. Essa documentação chega até o Arquivo através de doações e, muitas vezes, em adiantado estado de comprometimento físico, necessitando para isso, de um trabalho de intervenção para o prolongamento de sua vida útil.
Essa é a realidade do acervo do antigo escritório da 8ª Inspetoria de Terras de Passo Fundo ligado a Secretaria da Agricultura do Estado. Devido a sua importância e a grande procura por pesquisa, priorizamos para um trabalho de recuperação.
Trata-se de parte de documentos relativos à legitimação de terras devolutas e também áreas de colonização. Como foram sendo ocupadas, houve a necessidade de legalização e legitimação dessas áreas por parte do Estado. É nesse momento que entra o trabalho do agrimensor.
Essa documentação inclui peças de diferentes procedências, como documentos de gestão, estatísticas, legislação, periódicos, planos, publicações, relatórios, livros de registros, mapas e plantas, entre outros.
Foi como Diretoria de Terras e Colonização que essa repartição pública instalou-se em Passo Fundo ainda nos últimos anos do século XIX. Mais tarde passou a denominar-se 8ª Inspetoria de Terras, sob a jurisdição do Instituto Gaúcho de Reforma Agrária – IGRA, e por último, Central de Comandos Mecanizados de Apoio a Agricultura – CEMAPA quando foi extinta por volta da década de 1990. Todos esses departamentos vinculavam-se à Secretaria da Agricultura Estadual.
Vários foram os funcionários que atuaram nessa repartição pública. Entre eles podemos citar o Agrimensor Caio Moogem Machado que por mais de vinte anos chefiou esse escritório no município, Carlos Feijó que o sucedeu no cargo, Acioly Rösing, Reni Rui Três, Agrimensor e Engº Agrônomo, e a desenhista Solange Costa entre, muitos outros.
Até chegar a legitimação das terras devolutas, foi árduo e longo o processo de colonização no Rio Grande do Sul. Enfrentando a pé, vários quilômetros por dia, embrenhavam-se na mata abrindo picadas e estradas. A equipe era, de modo geral, formada pelos “ajudantes de corda” (os que faziam as medições), pelos que abriam as picadas e também por um cozinheiro, todos sob a chefia de um agrimensor encarregado da tarefa. Por meses viviam em acampamentos, galpões cedidos por algum proprietário, ou em barracas. Após esse trabalho, era efetuada a verificação de posse, ou seja, a comprovação do tempo de ocupação desses lotes pelo morador do local, através de uma série de circunstâncias. Seguia então o processo para Porto Alegre onde era concedida, ou não, a legitimação da área.
Os originais dos mapas eram confeccionados em papel milimetrado, com base nas anotações das “cadernetas de campo” e posteriormente transferidas para o papel vegetal ou em tecido de linho impermeabilizado, denominado papel de linho. As informações reproduzidas nesses suportes eram feitas, artesanalmente, pelos desenhistas da Inspetoria. Os diferentes tipos de relevo das áreas em questão eram ilustrados em tinta nanquim de várias nuanças, com precisão, originalidade e grande riqueza de detalhes.
Segundo informações, por ocasião da dissolução dessa “Secção”, parte da documentação se perdeu, assim também como os equipamentos usados nas medições como teodolitos, pantógrafos, balaústres, trenas entre outros. Contudo, a documentação completa encontra-se junto à Secretaria da Agricultura do Rio Grande do Sul.
Na seleção feita pelo AHR, contemplamos primeiramente os mapas e plantas, acervo que compreende cerca de cinco mil peças –, os quais se relacionam ao processo de colonização da região que compreende, mais precisamente, o município de Passo Fundo em sua configuração original. Esse conjunto documental abrange o período compreendido entre os anos de 1872 a 1993.
Essa documentação passa, no momento, por um cuidadoso processo de higienização, atividade que permite avaliar o estado de comprometimento do suporte físico das peças, apontando a intervenção a ser desenvolvida. Limpeza mecânica, planificação, reintegração manual do suporte através da técnica de enxertos, obturações, testes de pigmentação, velatura, como também laminação com o objetivo de assegurar maior resistência ao suporte original. Para essa prática utiliza-se o papel japonês em diferentes gramaturas e colorações. Esse trabalho realizado no Laboratório do Arquivo Histórico busca, como fator principal, a disponibilidade das peças para consulta com melhor qualidade de visualização das informações ali contidas. Assim, também, a preservação de um acervo de importante cunho histórico que mostra, através de ilustrações originais, parte da ocupação do município de Passo Fundo. Trata-se, portanto, de um trabalho que requer paciência, habilidade e técnica, o que vem sendo aprimorado ao longo dos últimos anos.
Segundo Reni Rui Três, agrimensor à época da legitimação de muitas dessas terras, a forma como foi realizado esse trabalho não possibilitou a dupla concessão de lotes. Nenhum terreno foi registrado em dois nomes diferentes. Foi uma colonização típica do Rio Grande do Sul, “feita pela bota do agrimensor” diferente dos demais Estados da Federação.
Sandra Benvegnú
Mestre em História
Fonte: Acervo AHR
Imagem: Planta da Posse de Francisco Salinet – 1873.
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