Vivências que podem contar a história

Vê-se que muitas pessoas entendem seus objetos pessoais como sendo partes de si mesmas, por isso valem as perguntas: por que tal apego? E também, por que desfazer-se deles e doá-los para instituições que guardam documentos históricos?

Há conceitos ligados a essas questões mobilizados no cotidiano dos profissionais que trabalham nos arquivos históricos, pois vivenciam na prática a relação indivíduo-objeto-memória. Nessa tríade o que é material existe primeiro, mas, em seguida a relação desse com o indivíduo e o conjunto documental vincula-se ou mesmo confunde-se de tal forma que, por vezes, não se reconhece mais o início ou o fim deste vínculo. Isso é confuso, sim, mas, nem tanto.

Cada pessoa vivencia, no decorrer dos anos, inúmeras situações e cada uma destas está ligada, normalmente, a algo material: a roupa que se usava, o disco que se escutou, a carta que foi escrita e, é claro, a fotografia que foi feita. Esses são os objetos. Temos também um segundo elemento quando as lembranças nessa materialidade são guardadas mas também construídas com o agregado dos anos de rememorações que vão adicionando mais sentido social e político aos documentos – com o tempo os objetos tendem a adquirir maior importância afetiva para o indivíduo.

Una-se a isso o passar de algumas décadas e teremos a receita de um indivíduo que não consegue mais desvencilhar-se, pois guarda seus objetos como ícones de sua memória-história, como imprescindíveis para sua própria vida já passada, lembranças de um tempo; talvez, para nostalgias de domingo ou de dias chuvosos. A memória afetiva é a mais enraizada ao indivíduo, já que carrega parte de sua vida, e muitas vezes torna difícil distinguir onde está o começo ou o fim da relação indivíduo-objeto-memória, desse apego aos vestígios de memória.

Assim, no dia a dia do trabalho dos arquivos históricos além da salvaguarda e conservação dos acervos que já estão incorporados, também faz parte das atividades a busca de novos documentos – fotografias, livros, correspondências, relatórios... No entanto, esse trabalho se depara com a dificuldade de muitas famílias ainda não conseguirem compreender que não perderão seus acervos particulares ao doarem seus objetos. Esta ação vai muito além disso, pois os doadores estarão ampliando com acervos da memória pessoal ou de grupo a documentação possível de explicar e entender a  conformação e organização da comunidade regional, possibilitando o desenvolvimento de inúmeros trabalhos de pesquisa histórica.

O permear-se é inerente ao indivíduo e as suas relações com o entorno. Dessa forma, os objetos doados continuarão sendo parte afetiva de cada um, mas, a partir daí, podem contar partes de nossa história regional. Esses extratos de família, de associações, de empresas, são porções e sentidos de grupos locais que preenchem a história da cidade e que ao sair das velhas caixas guardadas em armários ou porões complementam e cobrem lacunas da escrita da história.

Benhur Jungbeck 
Professor de História 
Fonte: Acervo do AHR
* O AHR destaca que os artigos publicados nessa seção expressam única e exclusivamente a opinião de seus autores

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