A Democracia e o “problema da carne” (Parte I)

Era quarta-feira, 11 de novembro de 1936. Um dia de bastante trabalho para a redação do jornal. A política nacional ganhava destaque. O presidente norte-americano, Franklin Delano Roosevelt viria visitar o Brasil nos próximos dias. A Guerra Civil na Espanha seguia com intensos bombardeios à cidade de Madrid. Entre tantos acontecimentos de relevância nacional e internacional, ali, quase que entre os anúncios, dois curtos parágrafos acompanhavam o título, ‘O problema da carne em Passo Fundo’. O texto tratava de anunciar que às 20 horas do mesmo dia, aconteceria na Praça Marechal Floriano uma reunião dos ferroviários locais, onde debateriam o elevado aumento do preço da carne na cidade. Abrilhantaria o ato a banda musical da Brigada Militar.

O problema da carne foi o preço dela. A carne verde – carne fresca – respectivamente de primeira e de segunda, passou a custar 1$600 (mil e seiscentos réis) e 1$400 o quilo, substituindo o preço antigo, que era de 1$400 e 1$200. Com esse preço, a maioria dos lares da classe ferroviária, não teria acesso ao alimento. Em forma de protesto, os ferroviários decidiram não mais comer carne. Grande número dos trabalhadores aderiu ao movimento, até as 11h 30min da quinta-feira, 311 dos ferroviários da cidade assumiram, “sob palavra de honra”, o compromisso de não comer carne até segunda ordem.

A comissão, denominado “Movimento Pró-Baixa de Preço da Carne”, que defendia os interesses dos ferroviários se encontrou em reunião com o Dr. Prefeito Municipal, que após ouvir as reivindicações da classe, contou já estar em negociação para que se conseguisse o fornecimento da carne com preços que seriam estipulados pela Prefeitura, e ainda disse pretender solucionar a questão em no máximo 3 dias.

Já havia marchante – negociante de gado para o açougue – que se obrigara a fornecer a carne a preço razoável, desde que tivesse exclusividade, e por intermédio da Cooperativa. Entretanto, foi decidido seguir o protesto, uma vez que o movimento já havia conquistado a graça da população e tinha grandes chances de alcançar seus objetivos integralmente.

Ao espocar de foguetes, a população foi convidada para o “comício monstro” que ocorreu no dia 11. Grande número de pessoas compareceu ao comício, onde discursaram em nome dos ferroviários, o líder do movimento, o Sr. Sylvio Aviggi, e quem mais quisesse fazer uso da palavra, como o Sr. Diary Santos Freitas e o Sr. Mario Athayde. Todos foram bastante aplaudidos, impressionando e entusiasmando a população que ali estava presente. O povo não só aprovou o movimento dos ferroviários, como também se comprometeu com ele, dizendo que não comeriam carne a partir de então. A seguir falou o acadêmico de Direito, João Motta, que fez combate ao aumento de preço que a carne sofreu, tendo sido longamente aplaudido. Finalizando, fez uso da palavra o Sr. José Knoll, que também se solidarizou com os ferroviários.

Na manhã seguinte, os ferroviários estavam mais seguros de que o movimento surtiria efeito. Ainda mais com a palavra, já dada, do Dr. Prefeito, e a simpatia da população. E de fato o apoio popular se concretizou.

Jeferson Sabino
Graduando em História – UPF
Estagiário do AHR
* O AHR destaca que os artigos publicados nessa seção expressam única e exclusivamente a opinião de seus autores
 

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