Livro Didático II

15 de julho de 2014

LIVRO DIDÁTICO: OBJETO, FONTE, DOCUMENTO, SUJEITO (Parte II)

O modelo de produção didática atual, arquitetada pela estrutura do mercado editorial em relação direta com o Estado, seu principal comprador e mediador da conexão que o liga com a escola e enfim com os professores e estudantes, se deu por meio de trâmites principalmente ocorridos durante o período militar ditatorial do Brasil, onde a função do ensino de história foi voltada para o “despertar” da cidadania e do amor à pátria e rompe-se com o modelo francês de ensino, adotando-se o modelo norte-americano, voltado à educação técnica para o desenvolvimento econômico da nação. 

Desta forma e com o estatuto de fonte histórica em seu caráter documental, o livro didático de história se inscreve, no percurso do ensino da disciplina no Brasil, como grande veículo de didatização do saber histórico, na medida em que contempla e contém a expressão de momentos específicos da história da educação do país e dialoga, em maior ou menor dimensão, com os debates da historiografia a níveis nacionais e internacionais. 

Como objeto de valor cultural, em sua multidimensionalidade, o livro didático de história se torna específico justamente por ser um instrumento que configura em sua existência uma continuidade na história do ensino de história no Brasil, ao passo que também contém, em sua linha do tempo, visíveis rupturas de concepções de ensino e debates internos, da própria disciplina. 

O acervo do Arquivo Histórico Regional/AHR guarda preciosidades da produção didática brasileira em sua biblioteca auxiliar, como o Pequena História do Brasil, em quarta edição de 1918, parte da curiosa Colecção FTD, cuja editora homônima pertence historicamente aos Irmãos Maristas. Fazem parte do acervo livros didáticos de todas as décadas da produção didática de história até 1970, incluindo-se livros de disciplinas específicas do Regime Militar. Além de ser interessante observar, a partir deste acervo de obras e a nível contemplativo as mudanças de caráter estético do livro didático de história, até que atinja certo “padrão” visual reconhecido, é possível que se esquadrinhe uma linha de tempo que percorre o ensino de história nacional e as tensões no campo historiográfico mundial, continuamente expressas pela produção didática. 

O livro didático de história, como sujeito de sua própria história, é produto conjuntural, estrutural e condicionado a diversos eventos históricos, dos quais veicula o conhecimento considerado “necessário” às gerações consumidoras de si. A quem se dedica a investigá-lo, diz muito mais do que a interpretação do conteúdo histórico que inscreve em si mesmo: diz sobre seu momento de produção, sobre seu autor, sobre seus leitores e sobre uma visão de mundo, em concepções de educação, de história e de tempo, inalcançáveis a não ser que se dê voz a sua historicidade.

Letícia Mistura
Acadêmica do Curso de História da UPF
Fonte: Acervo do AHR 
* O AHR destaca que os artigos publicados nessa seção expressam única e exclusivamente a opinião de seus autores

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