Manual para identificar criminosos

Imagine-se no século XIX. Agora imagine que você e sua família estão deixando o campo onde viviam para tentar a sorte na cidade grande. No meio da multidão, passeiam em liberdade psicopatas, assassinos, pederastas e ladrões, todos acima de qualquer suspeita.

À noite as coisas pioram. Nem todas as ruas são iluminadas, não tem policiais suficientes. Suas crianças se escondem na cama e não pregam os olhos. Sua esposa toma remédios para dormir e você se pergunta se não deveria montar guarda ao invés de ir descansar as costas depois de um cansativo dia de trabalho.

Toda essa insegurança sobre quem seria o próximo criminoso ou como ele seria, motivou pesquisas que pudessem determinar características que os bandidos teriam em comum como forma de identifica-los e detê-los - antes mesmo de puxarem o gatilho. A insegurança fazia sentido, afinal, no século XIX as taxas de criminalidade e principalmente de reincidência aumentaram, relacionado ao processo de urbanização e crescimento demográfico.

Influenciados então por uma visão darwiniana e positivista de sociedade, e aplicando conceitos biológicos na organização social, certos criminologistas italianos do início do século XX, da escola de Criminologia Antropológica - cujo expoente mor foi o famoso psiquiatra de Turim, Cesare Lombroso - tentavam diagnosticar tendências criminosas a partir de características morfológicas, ou seja: a forma física de determinado ser humano poderia resultar em determinado perfil de assassino.

O formato do crânio, cérebro, e rosto (como um queixo prógnato) podiam ser determinantes para reconhecer um criminoso ou algum selvagem no meio dos civilizados, pronto para matar sem aviso, defendia Lombroso.

“Os resultados para tal hipótese são inconclusivos”, como afirmou o médico, antropólogo e historiador Mendes Correa, em sua tese Os Criminosos Portugueses, livro de 1914 agora presente no Arquivo Histórico Regional, mas que antes estava nas prateleiras da biblioteca do Curso de Direito da Universidade de Passo Fundo, 1º curso fundado pela Sociedade Pró-Universidade de Passo Fundo, em 1953. A publicação denunciava a preocupação com o tema, afinal, o Brasil passava pelo seu próprio processo de urbanização e, com ele, pelo seu próprio processo de aumento dos níveis de criminalidade e consequente procura por formas de coibi-lo.

Existiram, no entanto, duas outras escolas com visões diferentes, ambas fundadas por discípulos de Lombroso: a escola de Criminologia Psicológica e a escola de Criminologia Sociológica. Que, justamente, usavam a psicologia e a sociologia como mecanismos para identificar os criminosos. Assim, certo desvio psíquico desembocaria num criminoso e determinada organização social só geraria larápios.

Mesmo com bases teóricas diferentes, o que todas essas “escolas” na verdade acabavam fazendo era marginalizar e culpabilizar determinadas minorias étnicas, sociais ou portadores de deformidades congênitas enquanto procuravam reduzir a criminalidade. Outro efeito colateral era normalizar determinadas condutas, sociedades ou características étnicas consideradas como certas, preferíveis ou até mesmo mais civilizadas que outras quando não passavam simplesmente de opiniões embasadas em preconceitos sociais já estabelecidos, não contribuindo para acabar com os crimes e menos ainda com o preconceito.

Rafael Bonatto Buffon
Acadêmico do Curso de Jornalismo da UPF

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