Passo Fundo e o movimento operário na Primeira República (1889-1930)
Infelizmente, a ausência de fontes dificulta o resgate da história dos trabalhadores urbanos em Passo Fundo, assim como das suas associações durante a Primeira República. Apenas há alguns indícios e “informações escassas, fragmentadas, e, portanto, sujeitas a retificações, na medida em que pesquisas neste campo forem aprofundadas”.
Segundo Delma Gehm, a primeira organização operária de Passo Fundo foi a Sociedade Socorros Mútuos União Operária, fundada em 1897, cuja duração efêmera aglutinava os operários da cidade e mais aqueles que prestavam serviços na construção da futura estrada de ferro. Provavelmente, como seu próprio nome já indica, tratava-se de uma entidade mutualista.
Outro fato que merece destaque é o surgimento de associações – algumas provavelmente mutualistas – de caráter étnico, que desempenhavam, ao mesmo tempo, atividades recreativas, esportivas e culturais. Tratam-se da já citada Sociedade Italiana de Mútuo Socorro, fundada em 1901, que também proporcionava aos seus sócios jogos de snooker e bocha, além de atividades culturais relacionadas com a cultura italiana; a Deutscher Verein, ou Sociedade Alemã, fundada em 1913; o Clube Visconde do Rio Branco, fundado em 1916, que reunia os afro-brasileiros; e a Sociedade Sírio-Libanesa, fundada em 1930, mas de curta duração.
No entanto, apesar dessa cultura associativa de caráter étnico, também surgiram na cidade algumas organizações operárias. Dentre elas, talvez a mais importante tenha sido a Sociedade Operária Beneficente, fundada em 1909. Nos editoriais d’O Nacional da década de 1920, há um significativo número de artigos noticiando as atividades da Sociedade Operária Beneficente, sobretudo com relação às trocas de diretorias e as festividades de 1º de maio, Natal e Ano Novo.
Analisando as notícias acerca da Sociedade Operária Beneficente, podemos concluir que, naquela época, tratava-se de uma associação apolítica e nitidamente mutualista e beneficente, como seu próprio nome indicava. Ademais, esta entidade também parece ter um caráter recreativo, pois freqüentemente organizava churrascos, bailes e jogos de bolão, especialmente em datas comemorativas.
Durante a década de 1920, um das figuras mais influentes da Sociedade Operária era a do advogado João Junqueira Rocha, que, inclusive, presidiu a entidade diversas vezes. Aliás, devemos lembrar que Junqueira Rocha se converteria ao comunismo em 1931 e ao reassumir a presidência da entidade, em 1934, tornaria a entidade um núcleo comunista.
Também há notícias da existência de outras associações em Passo Fundo, como é o caso do Centro dos Trabalhadores de Passo Fundo (fundada no dia 29 de junho de 1913), que provavelmente seria uma entidade influenciada pelos anarco-sindicalistas, uma vez que era uma das 20 associações filiadas à Federação Operária do Rio Grande do Sul (FORGS) anarquista, em 1913. Segundo a historiadora Sílvia Petersen, o Centro dos Trabalhadores de Passo Fundo possuía cerca de 40 sócios e chegou a enviar dois delegados (Antônio Cardoso e Adolfo Varela) ao 2º Congresso Operário da Confederação Operária Brasileira, realizado em 1913 no Rio de Janeiro. Entretanto, não temos informações sobre o tempo de duração dessa associação.
Em suma, embora haja algumas informações fragmentadas sobre a presença e/ou passagem de militantes socialistas e anarquistas na cidade, não conseguimos apurar quais os efeitos e a amplitude desses ideários sobre o movimento operário passofundense, que, a priori, parecem que foram pequenos, resumindo-se a poucos militantes.
Ademais, também há informações sobre a criação da Liga Comunista de Passo Fundo, em virtude da influência da Revolução Russa de 1917 no movimento operário sul-rio-grandense, cujos primeiros efeitos foram o surgimento de organizações operárias que se denominavam comunistas.
Igualmente prejudicada pela ausência de fontes está a Associação dos Ferroviários (que era uma espécie de filial da associação/sindicato de Santa Maria), assim como também acerca das mobilizações dos trabalhadores locais até meados da década de 1920 – aliás, há apenas notícias de três greves na cidade: a greve dos ferroviários de 1917 e 1919 e outra em 1920.
Entretanto, o que é certo é que no final dos anos 1920, o principal fator catalisador de mobilizações dos trabalhadores passofundenses foi a questão acerca da jornada de trabalho. Segundo noticiou O Nacional , os empregados do comércio enviaram ao então presidente da Junta Comercial municipal Max Ávila dois longos ofícios, assinado por centenas de trabalhadores, expondo alguns motivos e pedindo para que entre em vigor a lei votada pelo Conselho Municipal, exigindo o fechamento das casas comerciais às 19:30 horas.
Atendendo ao pedido, o intendente municipal determinou a execução da lei, sob pena de pagar multa . Porém:
O FECHAMENTO DO COMÉRCIO: A LEI NÃO É CUMPRIDA 3
Há dias foram dirigidos aos srs. Armando de Araújo Annes e Max Ávila, respectivamente intendente municipal e presidente da junta comercial desta cidade, dois ofícios, assinados por diversos empregados do comércio local, solicitando intervenção no sentido de serem as casas comerciais fechadas às 19:30 no inverno, conforme dispositivo de lei orçamentária do município.
(...) Foi o pedido (...) atendido pelo sr. Intendente, que mandou avisar em todo o comércio que deveriam de tal data em diante encerrar suas portas às 19:30. Porém, hoje estiveram em nossa redação diversos empregados do comércio pedindo que (...) fosse solicitada intervenção dos poderes competentes, no sentido de serem punidos alguns comerciantes que encerram suas casas comerciais a hora que bem entenderem.
Em 1929, continua em pauta a questão da jornada de trabalho:
COMÉRCIO LOCAL: a iniqüidade dos patrões 4
Verifica-se no comércio varejista desta cidade um regime de verdadeira escravidão, onde os patrões, em flagrante, menosprezam os direitos e liberdades de seus empregados, sujeitando-os a um trabalho excessivo, contrário a todos os princípios de civilização e de humanidade. Vem a nossa asserção a propósito das horas de trabalho a que submetem os empregados no comércio varejista os patrões ambiciosos, obrigando aqueles a trabalharem até tardias horas da noite (21h), sem respeito sequer pela posturas municipais que regulam o caso.
Embora a reivindicação da jornada de trabalho tenha se arrastado até meados da década de 1930, não há registros na imprensa local de que essas manifestações tenham se transformado em greves.
Alessandro Batistella
Mestre em História
1 O Nacional, Passo Fundo, 2 jun. 1928, p. 3.
2 O Nacional, Passo Fundo, 6 jun. 1928, p. 1-2.
3 O Nacional, Passo Fundo, 14 jul. 1928, p. 2.
4 O Nacional, Passo Fundo, 10 out. 1929, p. 1.