A carta "magra" e o parlamentarismo de 1961

Vítor Mateus Viebrantz – Acadêmico de História/UPF

Em sua coluna “Acontecimentos da semana”, no jornal O Nacional, João Vieda, narrava, na edição de 28 de setembro de 1961, um caso curioso que teria acontecido em Tapejara. Durante uma "aula" sobre parlamentarismo na Câmara Municipal, um "colono" teria indagado a outro senhor se com o parlamentarismo a "carta magra" iria engordar. O senhor, impressionado com a indagação, lhe questiona se ele se referia a carta magna e o colono exclama: “- Mas, é magna? Eu entendi que ele falava em carta magra, carta magra, e pensei que o parlamentarismo, esse, era para ela engordar!” Esse episódio curioso reflete o desconhecimento popular diante do confuso período no qual o parlamentarismo foi a forma de governo no Brasil. 

Para entender essa passagem, é necessário retornar ao ano de 1960, momento da intensa campanha para “expurgar a corrupção no país”. Naquele ano o mato-grossense Jânio Quadros, com sua “vassourinha” defendia essa bandeira na campanha eleitoral, logrando sua eleição como presidente da República. Quadros tomou posse em 31 de janeiro de 1961. Seu governo, de apenas sete meses, foi marcado por idiossincrasias, turbulências e impasses ideológicos, econômicos e políticos. Seu governo, segundo críticos, “cai em desgoverno” e em agosto do mesmo ano o então presidente renúnciou. Pela lógica eleitoral da constituição vigente (de 1946), deveria assumir o cargo o vice-presidente (que era eleito separadamente) João Goulart. Jango, como conhecido, se encontrava fora do Brasil: aproveitando-se dessa situação, setores das Forças Armadas e do Congresso Nacional agiram e inviabilizaram a posse. Tendo Jango retornado, recebeu apoio de seu cunhado Brizola, então governador do Rio Grande do Sul. Este iniciou uma campanha a favor da posse, a Campanha da Legalidade, que envolveu diversos setores da sociedade sul riograndense e se espalhou para o Brasil. 

Como forma de contornar a crise, em 2 de setembro de 1961 o Congresso Nacional instalava o regime parlamentarista e em 7 de setembro, Jango tomava posse, com poderes reduzidos. Também tomava posse o primeiro ministro, Tancredo Neves e uma turma de ministros que formavam aquele primeiro gabinete. Iniciava-se assim uma campanha para explicar a todos os brasileiros a nova forma de governo. 

Foi nesse contexto de campanha para difundir e legitimar o parlamentarismo que se insere a passagem em Tapejara. O Nacional imediatamente deu início a uma série de publicações, quase diárias, nos dias que se sucederam. Falava-se de benefícios do novo regime, que dignificava a democracia, representava a maior expressão do governo popular, e que afastava a necessidade de embates militares para substituir governo. Na edição de 26 de setembro de 1961, O Nacional trazia na sua coluna sobre parlamentarismo o título: “A dignidade presidencial”, defendendo que o regime garantia uma “função mais nobre” ao presidente e que agora o mesmo “é o autêntico magistrado da nação”. 

A intenção inicial era que o regime vigorasse até 1965, quando o mandato de Jango deveria terminar. Todavia a proposta de um realização de um plebiscito ,para o povo votar entre parlamentarismo e presidencialismo, foi antecipada para 1963, com a vitória do segundo. Encerrava-se assim a breve experiência parlamentarista que confundiu o colono tapejarense e que O Nacional se empenhou em esclarecer naqueles meses. Retornavam os poderes presidenciais à Jango. Em março do ano seguinte, setores civis e militares se opunham novamente ao presidente, deferindo um golpe e instalando, pelos 21 anos seguintes, uma Ditadura Civil-Militar no país. 
 

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