Paulo Brossard e o Plebiscito de 1993
Roberto Biluczyk
Mestrando em História – PPGH-UPF
Os debates efetivados durante a Assembleia Constituinte, ocorrida entre fevereiro de 1987 e outubro de 1988, deram voz a diversos movimentos, alguns deles de reivindicação de pautas bem pontuais. Foi assim que o Plebiscito sobre a Forma e o Sistema de Governo foi concebido. O expediente eleitoral realizado em 21 de abril de 1993 versou sobre a escolha popular entre três alternativas: a monarquia parlamentarista, a república parlamentarista e a república presidencialista.
A monarquia parlamentarista permite que um rei se estabeleça como chefe de Estado, ou seja, como representante político e institucional do país, enquanto o primeiro-ministro atua como chefe de governo, administrando de fato. A república parlamentarista, por sua vez, substitui o rei por um presidente eleito, direta ou indiretamente. Já a república presidencialista, modelo em funcionamento hoje, concentra as duas funções na figura do presidente.
Devido ao cenário de instabilidade política do país, que culminou com o impeachment do Presidente Fernando Collor, em 1992, os assuntos foram pouco aprofundados publicamente até o início de 1993, quando já eram emergentes e não podiam mais ser adiados. Nos bastidores, as três frentes atuaram na organização interna do acontecimento político. Já o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ainda enfrentava contestações e buscava solucionar problemas oriundos de detalhes, como a organização da cédula eleitoral.
Nesse desdobramento, não era comum que juízes ocupassem protagonismo junto às discussões políticas no Brasil. No entanto, o sul-rio-grandense Paulo Brossard (1924-2015), ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e Presidente do TSE, veio a público, a fim de esclarecer pontos de divergência envolvendo a eleição.
Brossard foi indicado para o STF em 1989, pelo Presidente José Sarney. Antes disso, porém, contava com uma extensa trajetória política, tendo feito parte do antigo Partido Libertador, entre 1945 e 1965, cuja principal bandeira era a instalação do parlamentarismo no país. Igualmente, foi eleito ao longo de sua vida para cargos como deputado e senador, opondo-se ao trabalhismo.
Em 1993, a primeira atuação pública de Brossard se deu em fevereiro, no sorteio da disposição das informações da cédula eleitoral. A urna eletrônica ainda não existia. O modelo escolhido colocava as formas de governo à esquerda do papel e os sistemas à direita, descontentando os republicanos parlamentaristas. A apresentação igualmente permitiria que um quarto item fosse escolhido pelo eleitor: a monarquia presidencialista, modelo inexistente e não previsto pela lei. Brossard opinou, primeiramente, que a possibilidade era legítima e concentraria poderes nas mãos do rei. Criticado por suas palavras, mais tarde, esforçou-se para informar que a escolha era inviável.
Em março de 1993, o ministro, insatisfeito com o conteúdo dos programas de rádio e televisão veiculados pelas frentes em campanha, resolveu gravar três intervenções com cerca de quinze minutos de duração, a fim de ele mesmo esclarecer as ideias ao eleitorado. A medida foi criticada pelos organizadores das três campanhas. Presidencialistas, como Leonel Brizola (1922-2004), acusavam Brossard de tomar partido no Plebiscito, em favor dos parlamentaristas.
A intervenção de Brossard também foi desacreditada pela imprensa. A revista Veja (que pode ser consultada no Arquivo Histórico Regional), por exemplo, trazia opiniões que afirmavam que o ministro mais confundiu que esclareceu o eleitor. A estratégia do magistrado foi avaliada como ineficaz, devido ao alto grau de erudição de sua fala. Ou seja, Brossard não soube, segundo a publicação, apresentar as ideias de maneira simples, para que todo o público entendesse.
O Plebiscito ocorreu normalmente, garantindo a manutenção da república presidencialista, já preferida pela maioria dos constituintes, anos antes. Brossard deixou o STF em 1994, ao completar setenta anos de idade. Sua atuação frente ao Plebiscito chama a atenção, assim com o próprio expediente eleitoral, em virtude da inusitada postura de interferência do magistrado.