Salomé de Passo Fundo: em linha direta com o presidente Figueiredo (1979)

Alex Antônio Vanin e Roberto Biluczyk
Mestrandos em História – PPGH-UPF

O ano de 1979 foi de transformações no panorama nacional. Diante de uma “abertura lenta, gradual e segura”, proposta pelos ditadores militares, que, em meio a algumas dificuldades operacionais e desgastes públicos já acenavam timidamente ao retorno da democracia, uma série de medidas foram aprovadas. A exemplo disso, a revogação do AI-5 restaurava direitos como o habeas corpus e começava a diminuir a influência da censura nos meios de comunicação.

Figura 1 – À esquerda, Djanira Lângaro. À direita, Chico Anysio caracterizado como Salomé (1979). Conforme a revista Manchete, Djanira teria servido de inspiração para Salomé – Manchete, 16 jun. 1979, pp. 132-133.

Em março daquele ano, toma posse como presidente, em substituição a Ernesto Geisel, o general João Baptista Figueiredo (1918-1999), antigo chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI), entre 1974 e 1978, principal órgão de espionagem do regime. O militar governaria até o ano de 1985, dando lugar aos civis, na sequência.

Naquele contexto, já muito conhecido humorista brasileiro, o cearense Francisco Anysio de Oliveira de Paula Filho (1931-2012) - Chico Anysio, contava com projeção nacional, em virtude de sua atuação em programas da Rede Globo. Entre os conteúdos apresentados, quadros de humor, com sátiras ao dia-a-dia efetuadas por personagens caracterizados. Em 1979, seu programa Chico City, levava ao ar a personagem Salomé Maria da Anunciação, uma simpática idosa que se comunicava por telefone com um ex-aluno de nome João Baptista (em referência ao presidente Figueiredo). 

Com desenvoltura, Salomé apontava críticas ao presidente e ao governo. O público de maior instrução se surpreendia com a liberdade da personagem em meio ao contexto repressivo que lhe era contemporâneo. Durante o quadro, dotada de forte sotaque, tratava seu interlocutor como “guri” ou “João”, evidenciando intimidade com o mesmo. Espontânea, informava, ao início de cada ligação, estar falando diretamente de Passo Fundo. Ao final, declarava ao telespectador a frase “Eu faço a cabeça de João Baptista ou não me chamo Salomé”.

Batizada a partir da referência bíblica que relaciona Salomé, neta de Herodes, com a decapitação de São João Batista, a personagem rendeu reconhecimento local ao artista, fazendo-o apresentar seus shows na cidade em diversas ocasiões futuras. A caricata idosa também gerou especulações quanto a sua real inspiração entre conhecidas senhoras da sociedade passo-fundense, com proeminência a Djanira Lângaro (1903-1994), viúva de Arthur Lângaro (1900-1965), então moradora de Porto Alegre, mas que nascera e convivera por longo período na cidade. A relação da personagem com Djanira se daria por supostos telefonemas a presidentes e governadores realizados pela senhora ao longo dos anos, conforme noticiava a revista Manchete.

O vereador de Passo Fundo, Anoel Portella, da ARENA, chegou a propor em julho de 1979 que a cidade se utilizasse da divulgação gratuita efetuada nacionalmente pela emissora de televisão para fins turísticos e culturais. Segundo o arenista, Passo Fundo, até então, somente tinha conhecido propaganda tão ampla por meio do cantor Vítor Mateus Teixeira, o Teixeirinha (1927-1985), projetado em programas de auditório. O político ainda destacava, segundo matéria do jornal O Nacional, ter recebido saudações de amigos vindas de Brasília e Natal (Rio Grande do Norte), devido à vontade de estes conhecerem algo sobre a cidade, que ganhava, a seu ver, “ampla e eficiente publicidade” “sem qualquer ônus”.

Comunicólogos e historiadores vêm se ocupando de pesquisas a respeito da personagem e de sua influência no contexto político de então. Figueiredo, diferentemente do que se possa imaginar, recebeu com entusiasmo a atuação de Chico Anysio, chamando-o, inclusive, para uma apresentação junto ao Palácio do Planalto, em Brasília, em dezembro de 1979. Anysio continuou interpretando a personagem em menores exposições após o fim do governo Figueiredo, até a sua morte em 2012, sempre enfatizando a cidade em suas inserções.
 

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