Um ambiente salubérrimo”: as preocupações com saúde e higiene em Passo Fundo, no final da década de 1930.
Alex Antônio Vanin e Roberto Biluczyk
Mestrandos em História – PPGH/UPF
Nos primeiros anos de República, o Brasil enfrentou severos problemas sanitários, especialmente nos espaços urbanos que cresciam em ritmo acelerado. A população, por sua vez, não contava com infraestrutura e instrução adequadas, padecendo de enfermidades, muitas com surgimento repentino.
Endemias, epidemias e pandemias tinham livre trânsito no país, uma vez que as pessoas, com pouco esclarecimento, deixavam-se levar pela desconfiança e conservavam hábitos inadequados. Diante de avanços na ciência, por meio da microbiologia e o surgimento de vacinas, esse panorama começa a se alterar paulatinamente, aumentando a preocupação com a saúde e a higiene.
Durante o governo do presidente Rodrigues Alves (1902-1906) foram promovidas medidas de reforma urbana na capital do país, então a cidade do Rio de Janeiro, espelhando-se em ações desenvolvidas em Paris, no decorrer do século XIX. As residências da área central da capital, em geral, não contavam com quaisquer estruturas sanitárias, abrigando algumas delas, inclusive, criações de porcos. O saneamento básico era precário naquele que era considerado o cartão postal do país. Especialmente em 1904, a falta de sutileza e convencimento do governo ante ao público fez com que opiniões sobre o tema se apresentassem controversas, reforçando a indignação popular. Anos mais tarde, perante a conscientização e a constatação de resultados nas ações, saúde e higiene passaram a ser temas de ampla discussão.
Em 1939, publicou-se o “Guia Ilustrado Comercial, Industrial e Profissional da Cidade de Passo Fundo”. Por meio dele é possível constatar que a cidade recebia naquele ano transformações urbanísticas alusivas à infraestrutura, especialmente relativas ao saneamento básico. A cidade, de vasto território, com doze distritos, alguns deles distantes do núcleo principal, despontava como um núcleo de rápido desenvolvimento.
Iniciou-se naquele período, conforme o Guia, a distribuição de água encanada e determinou-se regras de “linhas de edificações”, em conformidade com os “princípios de higiene e asseio”, para “modificar velhos hábitos de vida”. De acordo com o texto, o descuido com a higiene causava “o perigo constante de enfermidades contagiosas”, as quais vinham desaparecendo diante das atitudes, que demarcavam “civilização e progresso”. Anúncios de hotéis, escolas e armazéns enfatizavam os ambientes salubérrimos – ou seja, muito salubres – que caracterizavam os locais, em discursos que salientavam as práticas higiênicas como qualidades diferenciais.
A fim de aprimorar as medidas de saúde na cidade, o poder público instalou, em 22 de maio de 1939, na Rua Uruguai, próximo à Praça Tamandaré, o Posto de Higiene de Passo Fundo. De competência estadual, o setor era comandado pelo médico Armando Vasconcellos (1888-1966), disponibilizando vacinas e imunizações contra febre tifoide – considerada endêmica na cidade naquele período –, varíola – doença atualmente erradicada no mundo – e difteria. Também executava políticas de prevenção e informação sobre doenças venéreas, lepra e endemias rurais, sensíveis preocupações da área, além de cuidados de saúde em geral, como exames de pré-natal.
Diante da atuação do órgão estadual, o município, por sua vez, desenvolveu um departamento auxiliar, denominado Delegacia de Saúde, sob responsabilidade do médico Arthur Leite (1890-1941). Leite faleceria pouco tempo depois da publicação do Guia, inspirando vinte anos mais tarde, ações de promoção à educação sanitária de um Clube de Saúde que levaria seu nome. Já Vasconcellos lideraria o Posto de Higiene local até 1946, atuando também junto ao Rotary Club e viabilizando a criação da Sociedade de Auxílio à Maternidade e Infância – SAMI.
A criação do Posto de Higiene na cidade proporcionou a entrada da esfera pública em ações permanentemente relevantes na área da saúde, que apresentou constante evolução frente aos desdobramentos científicos e educacionais produzidos nos anos porvindouros.