“Unidos hoje, unidos sempre”: Seleções, as empresas transnacionais e a Política de Boa Vizinhança
Roberto Biluczyk
Mestrando em História – PPGH-UPF
No auge do Estado Novo, o governo do Brasil observava à distância os desdobramentos da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Os líderes, no entanto, declarariam guerra à Alemanha nazista e à Itália fascista em 1942, meses após embarcações brasileiras serem bombardeadas pelas potências do Eixo. No mesmo período, os Estados Unidos da América (EUA) buscavam uma aproximação com os demais países do continente. Percebendo que alguns deles eram governados por políticos que nutriam afinidades com as ideias fascistas, o governo dos EUA intensificou seu poder persuasivo por meio da Política de Boa Vizinhança, apresentada por Franklin Delano Roosevelt, presidente estadunidense entre 1933 e 1945.
A política estadunidense visava difundir seu modo de vida – American way of life – entre os habitantes da América Latina, interferindo na cultura local das mais variadas formas, por meio de músicas, filmes, produtos, entre outros. Um dos mecanismos utilizados nessa prática foi a publicação em língua portuguesa, a partir de 1942, da revista Seleções do Reader’s Digest, surgida no país da América do Norte vinte anos antes.
Apesar de Seleções não estar entre o aparato originalmente concebido para a Política de Boa Vizinhança, no Brasil a revista serviu ao governo Roosevelt de maneira indireta, por sua linha editorial e publicitária, que promovia o estilo cultural estadunidense. Com o slogan “Artigos de Interesse Permanente”, consolidou-se no mercado, mantendo-se em circulação até os dias de hoje. A publicação conta com inúmeros exemplares disponíveis para consulta local junto ao Arquivo Histórico Regional (AHR).
Nos anos 1940, Seleções era impressa em papel de altíssima qualidade e apresentava uma estética visual muito limpa em suas matérias, sem recursos visuais exagerados. Com isso, o texto ganhava pleno destaque, sem distrações. No entanto, em suas páginas finais, especialmente nas edições analisadas de 1943 e 1944, percebem-se grande quantidade de anúncios, todos de empresas transnacionais, interessadas no mercado brasileiro.
Destacam-se nesse panorama, a petrolífera Standard Oil (Esso), empresas de fabricação bélica e a Coca-Cola. A Standard Oil era também patrocinadora, desde agosto de 1941, do famoso Repórter Esso, renomado radiojornal com enfoque nos acontecimentos da Guerra. Quanto à publicidade das fábricas de armas e aviões de guerra, nota-se uma proeminência na apresentação das modernas tecnologias estadunidenses de efeito, no auge da participação daquele país no conflito.
Já nos anúncios de Coca-Cola, refrigerante que começou a ser comercializado no Brasil em 1941, percebem-se peças publicitárias coloridas e agradáveis. Algumas vezes com inscrições em espanhol, as peças evidenciam a frase “Unidos hoje, unidos sempre”, acompanhadas de um contorno do mapa do continente americano.
Cabe salientar também a presença de anúncios com figuras ilustres da história dos Estados Unidos, como George Washington, seu primeiro presidente, usado para promover uma marca de uísque, e a promoção de estações de rádio de ondas curtas oriundas dos Estados Unidos, concorrentes diretas da Rádio Berlim, também captada no Brasil.
Essas medidas serviram aos interesses estadunidenses, em sua intenção de influenciar os povos latino-americanos e adquirir parcerias comerciais e culturais. No entanto, com o falecimento de Roosevelt, a vitória na guerra e a queda de Getúlio Vargas, em 1945, as relações entre os dois países se transformaram e a política estatal de cordialidade ficou para trás. O referido assunto tem despertado um grande número de pesquisas históricas, por suas incontáveis particularidades frente à cultura brasileira no espaço temporal analisado.