A Televisão do Ano 2000: a Rede Manchete nas páginas da revista Veja

Roberto Biluczyk
Mestre em História – PPGH-UPF

Em julho de 1980, a Rede Tupi, primeira emissora de televisão do Brasil, surgida em setembro de 1950, teve suas concessões declaradas como não-renováveis pelo governo, sendo, portanto, cassada. Nem mesmo as vigílias promovidas pelos trabalhadores, que temiam perder seus empregos, foram capazes de comover o ditador João Figueiredo (1918-1999) e sua equipe. O fechamento foi justificado com argumentos frágeis, posteriormente contestados na Justiça. 

Pouco tempo depois, o governo decidiu redistribuir as concessões da Tupi e de outras emissoras fechadas anteriormente para novos interessados. Dois conglomerados foram os vencedores da disputa: o Grupo Silvio Santos, que lançou o Sistema Brasileiro de Televisão (SBT) em agosto de 1981, e a Bloch Editores, liderada pelo empresário Adolpho Bloch (1908-1995), que inaugurou em junho de 1983, a Rede Manchete.

Recebendo o nome da principal revista do Grupo Bloch, a Rede Manchete, sediada no Rio de Janeiro em imponente prédio projetado por Oscar Niemeyer (1907-2012), trouxe uma proposta distinta em relação às demais empresas que atuavam no ramo, evidenciada por uma programação que priorizava a exibição de filmes bem-conceituados e programas jornalísticos e culturais. Entretanto, a estratégia custava caro e logo surgiram os primeiros momentos de crise e boatos de venda da rede.

A Veja, revista da Editora Abril, concorrente direta da revista Manchete pela liderança nas vendas, mostrou, ao longo dos anos, um especial interesse pelos desdobramentos que envolviam “a televisão do ano 2000” – slogan da TV Manchete em seus primeiros anos, que ressaltava sua proposta futurista. O Grupo Abril havia sido derrotado na disputa das concessões da Tupi, no contexto já descrito. Através de Veja, portanto, é possível perceber algumas evoluções da história da emissora carioca no decorrer das décadas de 1980 e 1990. 

Durante sua existência, a Rede Manchete dedicou espaço às transmissões esportivas e ao Carnaval do Rio de Janeiro, pelo qual travou intensas disputas com a Rede Globo. Em 1990, a emissora experimentaria seu maior sucesso na teledramaturgia. A novela Pantanal, exibida de março a dezembro daquele ano, com seus relevantes índices de audiência, elevou a emissora a um novo patamar, ganhando destaque na capa de Veja em 9 de maio de 1990. 

Veja utiliza o êxito da novela para elogiar os “benefícios da concorrência”, elemento fundamental, conforme a publicação, para o desenvolvimento democrático da política, da economia e da área do entretenimento – um claro posicionamento que considerava o contexto da época: a paulatina queda da URSS e a emergência das privatizações. A trama obrigou as demais redes, de acordo com Veja, a proporem novas ideias, tirando o setor da estagnação. A exposição de paisagens, com animais e plantas típicos do bioma pantaneiro, era tida como um diferencial da novela, juntamente com o erotismo e a estreia de novos atores. Indagado sobre o tema na reportagem, Roberto Marinho (1904-2003), proprietário da Rede Globo, não reconhecia o sucesso da Manchete, devido ao horário da exibição de Pantanal (21h30min), quando a novela da oito já havia encerrado sua transmissão. 

Ao término da longa matéria, Veja expõe que a TV Manchete sabia que “era impossível abater a liderança da Globo com um tiro só”. Aquele foi um período favorável para a emissora, que também lograva êxito com o Jornal da Manchete, apresentado por Eliakim Araújo (1941-2016) e Leila Cordeiro (1956- ). Em Passo Fundo, a Manchete transmitia seu sinal através da TV Pampa Norte, de Carazinho, fundada em 1988, que abandonou a rede em junho de 1992, passando a ser afiliada do SBT, quando uma forte crise abalou a emissora carioca. 

Mal administrada ao longo dos anos, a Manchete não resistiria a uma nova crise, deixando de operar em maio de 1999, ou seja, meses antes do ano 2000, utilizado como projeção de sua modernidade no passado. Veja conta com exemplares disponíveis para pesquisa junto ao Arquivo Histórico Regional (AHR), assim como a revista Manchete, que inspirou o nome da extinta emissora.

Logotipo da Rede Manchete (1983-1999)

 

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