“Principado de Petrópolis”: Jô Soares e a repercussão pós-Plebiscito de 1993

Roberto Biluczyk
Mestre em História – PPGH-UPF

O Plebiscito sobre a Forma e o Sistema de Governo foi um expediente eleitoral realizado em 1993, que visou determinar o modelo político preferido pela população para o Brasil. Entre as opções, estavam a monarquia e a república, como formas, e o presidencialismo e o parlamentarismo, como sistemas de governo.

A votação sobre as ideias emergiu das discussões realizadas na Assembleia Constituinte (1987-1988), onde a maioria dos parlamentares que dela participou optou pela república presidencialista. Insatisfeitos, os defensores da república parlamentarista e da monarquia se uniram, a fim de propor a rediscussão das propostas, através de uma eleição a ser efetivada cinco anos mais tarde.
Programado para o dia 7 de setembro de 1993, o Plebiscito foi antecipado para 21 de abril de 1993. Não houve, porém, grande apelo popular sobre as causas. Após a votação, a imprensa se ocupou das repercussões sobre o pleito – que confirmou a permanência da forma e do sistema de governo inicialmente determinados pela Constituição –, algumas vezes lamentando o teor pouco motivador das campanhas que defenderam as ideias.

A revista Veja, editada desde 1968, dedicou-se desde o início às pautas políticas. A publicação da Editora Abril completava 25 anos de existência em 1993, dotada de um status distinto sobre os demais veículos de comunicação social no país, por sua cobertura especializada frente à decadência do governo de Fernando Collor, em 1992.

Um de seus mais renomados colunistas no período era o humorista, escritor e apresentador de televisão, Jô Soares, que se apresentava de maneira satírica ao longo de uma página da revista. No dia 5 de maio de 1993, duas semanas após o Plebiscito, Jô oferecia uma “solução criativa” para os monarquistas que, após a derrota nas urnas, poderiam “aproveitar de forma útil e brilhante” a presença da realeza para fundarem o “Principado de Petrópolis”. 

A criação do referido principado envolveria, segundo a sátira de Soares, a valorização da tradição imperial da cidade fluminense de Petrópolis, compondo-a politicamente com uma configuração similar à de Liechtenstein e Mônaco, na Europa. Tal solução, baseada na sugestão de um suposto amigo dele chamado Carneiro, “daria inveja aos americanos”, que “por falta de sangue azul jamais poderiam fazer a mesma coisa”, visto que não havia tradição monárquica em terras estadunidenses. Na organização política proposta, brasileiros teriam livre acesso. Cassinos luxuosos seriam instalados em palácios. Casas de apostas seriam legalizadas, privilegiando corridas de cavalos. Um circuito de Fórmula 1 seria implantado – “Le Gran Prix de Petrô”. O vencedor da corrida automobilística teria direito a jogar champanhe na Família Real – remetendo o cronista à forma comum de comemoração entre os pilotos. 

Uma prerrogativa do principado descrito por Jô Soares seria a eliminação de impostos e a enumeração de contas, práticas comuns a paraísos fiscais. Jô ainda conclui que títulos de nobreza poderiam ser concedidos, a fim de dar sequência à dinastia do Brasil, oferecendo um “charme suplementar” ao projeto. Porém, nem tudo seriam flores no ideário. Faltaria a designação do primeiro príncipe, que carecia de legitimação. Para o humorista, a escolha teria que se dar no âmbito da Família Real. Seria, no lugar de um plebiscito, um “nobriscito”, neologismo criado por Jô para a votação entre nobres, onde cada um poderia votar em si mesmo. Essa colocação remete à falta de consenso sobre quem seria o rei, evidenciada entre os monarquistas durante o Plebiscito de 1993.

O texto de Jô Soares reflete, em grande monta, o tratamento dado pela imprensa ao Plebiscito e a todas as suas frentes de ação naquele ano. Tida como extravagante e anacrônica, a causa dos defensores do rei era desacreditada em um cenário republicano consolidado há um século, em que a Família Real era uma ilustre desconhecida. A revista Veja conta com inúmeros exemplares disponíveis para consulta local no Arquivo Histórico Regional (AHR).

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