EXTRA! EXTRA! Mulher-paraíba causa polvorosa na Rua 15

Jhony Quadros Joner

Acadêmico do Curso de História – UPF

 

 

Um leitor comparece ao jornal O Nacional para uma reclamação e avisa: é um acontecimento pitoresco, além de ameaçador, de perigo. A reclamação é sobre uma moradora da Rua 15 de novembro, Maria de Lourdes, que estava sendo, em suas palavras, cruel. O texto reproduz a fala do reclamante “Ela mora com outra mulher que, também como Lourdes, não é feia... ambas são de muito boa idade... Nem muito moças, nem servem para velhas... ” (O NACIONAL. 11/01/1963). Esta cruel mulher, aos olhos do reclamante, não era feia e ainda tinha boa idade, não fica claro, no entanto, o peso desta qualificação de boa para a idade de Lourdes. Boa por quê, para quê? Ela era uma mulher de “faca na bota”, e que portava “certo armamento”, expressão escrita entre aspas, talvez com a intenção de provocar ironia, duplo sentido, mas também assim como “faca na bota” uma propensão a violência. Atitudes violentas que, segundo segue, indicavam que se estava falando de uma Mulher Paraíba, que de tão valente, só poderia ser macho, uma mulher-macho. Mas ela também não era feia, note-se que não se fala em beleza, mas em não ser feia; há uma não-feiura nela, o que como descrevemos a seguir pode ter gerado interesses.

As ameaças representadas por Lourdes, são exemplificadas por uma situação ocorrida com um comerciante, que por “crenças da vizinhança” teria dado uma olhadela em sua silhueta, ao que ela reagiu. Não aceitava que lhe pisassem o sapato. A “Paraíba” não aceitou a olhadela, e não apenas não aceitou como ameaçou o comerciante. O narrador encerra afirmando que era ela um elemento tido como perigoso e perturbador da ordem, era uma “fera-de-saia” e pede providências às forças policiais.

Um segundo texto sobre o caso traz o informe que o incômodo seria resolvido. Maria de Lourdes, agora chamada de “Lurdão”, seria expulsa da cidade, o que neste artigo se indica ser algo que ocorre pela 3ª vez. Temos agora uma descrição do vestuário de Lourdes: “boné, óculos à ‘Ronaldo’, calças e blusas de homem e com um charuto sempre atravessado” (O NACIONAL. 12/01/1963). Percebe-se uma contradição: nesta reportagem temos a descrição de Lourdes com roupas masculinas, no entanto ao dia anterior ela é chamada de “fera-de-saias”. Ainda que use roupas masculinas e tenha seu nome entre aspas passado ao aumentativo masculino, ela é uma fera-de-saias, uma turbulenta “filha de Eva”, é vista como uma mulher que transgride um vestuário que lhe seria mais apropriado e também um lugar social, ao retrucar a “olhadelas”. Contudo, a cruel fera estava sendo expulsa de Passo Fundo.

A narrativa apresentada nas páginas de O Nacional em Janeiro de 1963 são reveladoras de como o redator e esse popular que leva a reclamação ao jornal compreendiam alguém como Maria de Lourdes. Ela é descrita com propensão a violência, uma “fera-de-saias” que não aceita olhadelas, nem que deem “chuleadas” em sua “companheira de morada”. Nas descrições ela é uma mulher-paraíba, em referência aparente a popular música de Gonzaga e, portanto, uma metáfora conhecida no espaço cultural brasileiro. E é uma mulher que reside na Rua 15, que traz consigo um histórico de disputa moral e de imagem da cidade. Uma cidade na qual Maria de Lourdes parecia não ser aceita, e da qual ela termina sendo expulsa.

O discurso no jornal auxilia a perceber de como no interior do Rio Grande do Sul, nos idos de 1960, uma mulher com suas discordâncias de lugar e imagem de gênero que, ademais, leva uma vida em uma casa compartilhada com sua “companheira de morada”, próxima ao centro, em uma espacialidade que ainda na década anterior teve seu “saneamento” com a inviabilização de seguir na região a ora afamada zona do meretrício que tanto alegrou noites passo-fundenses nas décadas anteriores. Para o presente, os artigos do jornal nos deixa vestígio de um alguém que no passado lutou por seu corpo e por seu lugar na cidade e que produziu, nas palavras da publicação, um acontecimento pitoresco e ameaçador.

  

 

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