MATERIAIS SECRETOS
A forma como Josué Guimarães criava suas histórias envolvia um planejamento cuidadoso, fiel á tradição realista, da qual era seguidor, em seu desejo de interferir na realidade através da palavra. A própria raiz etimológica de realismo (do latim “res”, coisas) indica essa tentativa de mostrar a realidade, dando ao texto literário uma dicção de referencialidade, de foco na direção das coisas da vida, às quais o leitor pode não ter suficiente alcance de percepção.
Escrever, assim, nesse tipo de linha implica em primeiro lugar, leitura e pesquisas anteriores. Para escrever o que seria a última parte da trilogia a Ferro e fogo, envolvendo os muckers, Josué precisou atualizar-se sobre ervas medicinais, para construir o que seriam os personagens curandeiros líderes na comunidade do Padre Eterno, atual Sapiranga (RS).
Era necessário, também, um cuidadoso planejamento, estabelecido mesmo na relação de detalhes cronológicos que não necessariamente fariam parte da obra definitiva. Abaixo, está parte do planejamento de Camilo Mortágua, de seu nascimento ao nascimento dos irmãos.
Muitos dos planejamentos revelam a descontinuidade do processo criativo quem envolve a produção literária. No esquema abaixo, em um dos primeiros planejamentos de Josué Guimarães, é revelado o nome anterior do protagonista, Vinícius, antes do definido Camilo Mortágua:
Em determinadas circunstâncias, era necessário criar, planejar para pode "ver" o espaço no qual as personagens transitarão. Abaixo, Josué recria a cidade de Lagoa Branca, onde transcorrerá a ação de Os tambores silencioso. É importante que se observe que o ponto de vista focalizado na narrativa, da casa das irmãs Pilar, é a marca onde confluem os raios de alcance de visão das personagens.
Faz parte do processo criativo de Josué Guimarães o planejamento das capas da obras, como é o caso de D. Anja, uma delas introduzindo Juan Cuernavaca, um narrador que, na obra definitiva, não iria ser confirmado:
Nos “materiais secretos” de Josué Guimarães, disponíveis em itens catalogados e classificados no ALJOG/RS, podemos melhor entender a complexa forma como Josué construía seres, tempos e lugares que apaixonaram e ainda apaixonam milhares de leitores. Para Maria da Glória Bordini:
Mais importantes para a compreensão da história da produção e recepção literárias são os vestígios destas presentes nos esboços, nas notas e nos originais e eventuais ilustrações relativos às obras, pois atestam a interação entre autor e públicos. Neles se torna possível acompanhar o progresso de idéias vagas até a textualização final, com os recuos e avanços característicos, as mudanças de rumo, deliberadas pelo sujeito criador ou induzidas pelo conselho de outrem, as obliterações derivadas da auto ou heterocensura. Nos prototextos podem-se detectar as hesitações, figuradas nas rasuras e emendas, as soluções encontradas para obter coesão e coerência, para subverter ou aceitar a tradição recebida e as injunções de gênero, este também conformado historicamente. Neles afloram, sob desenhos ou garatujas, na marginália errática ou no texto reescrito, sob os riscos indicativos de cancelamento, impulsos inexplicáveis, bem como traços dos conselhos recebidos de seus primeiros leitores (BORDINI, Maria da Glória. Acervos de escritores e o descentramento da história da literatura. O eixo e a roda v. 11, 2005. Disponível em: http://www.letras.ufmg.br/poslit)