A Biblioteca

 

O olhar do leitor é a alma de um livro

Oi, conheço você desde quando era criança. Quando eu estava com você seus pais viam em mim a segurança. Você me levava para muitos lugares. Me pintava como queria, e eu emprestava a minha história para escrever a sua, quando começou a escrever suas primeiras palavras. Pisava em mim, ficava debaixo dos seus brinquedos, e mesmo assim, te ninava para que tivesse seus sonhos. 

Te vi acordar de um sonho colorido e ir para outro. Agora, você já procurava em mim conselhos e identidade. Você estava vibrante na alegria, na raiva e no choro, e eu estava de frente com suas expressões. Mesmo refugiado em seu quarto, eu cabia na sua tela e era inspiração para a sua saga que estava começando. 

Adulto, você já não me procurava muito. Era o “vamos marcar’’ e com tudo o que eu tinha para te contar você queria a versão reduzida e por vezes ia atrás de versões desconfiguradas, incompletas. Observava seu cansaço, você já não sonhava mais. Não tinha mais curiosidade, nem estudava. Queria reproduções, que eu te desse respostas prontas, não queria mais imaginação.

Quando na melhor idade, aquela que você espera para ter tempo, vê que os seus sonhos não se aposentaram. E eu volto a sentar do seu lado. Te ajudo a não esquecer de tudo que é importante na vida. Passo a ser o seu álbum de memórias. Frases que um dia foram a sua legenda, figuras que te fizeram viajar, e nem o caminho de casa. Gramado verde, bancos, som dos pássaros, sempre estivemos para você e por você. Nossas lombadas te fazem crescer quando passa por elas sem se machucar.

Por que estou nos cantos se posso estar no seu centro? Das suas determinações, aspirações? E por onde os seus olhos andam? Correm por lugares que não são em mim. 

Quero olhares oblíquos e dissimulados. Quero qualquer olhar, quero saber por onde andam leitores. O olhar do leitor é alma de um livro. A biblioteca é o corpo de todo o texto.

Você é texto que se transforma, tem nome e dá nomes, multiplica sobrenomes. Fala, ouve, escreve e lê. Tem a sua narrativa. A casa de uma narrativa é a Biblioteca. Não temos trancas, temos chaves. Não nos aprisionamos nas telas, temos janelas. Somos ar em tempos de fumaça.

Os portais do passado, presente e futuro, estão nas bibliotecas. Troque espelhos por páginas de um livro, vão dizer mais a verdade sobre você.

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