Por: Assessoria de Imprensa
Encontro entre os cursos de licenciatura da UPF promoveu debate sobre a resolução 02/2019, do Conselho Nacional de Educação
Os impactos da resolução 02/2019, do Conselho Nacional de Educação (CNE) foram tema de uma conversa entre professores e futuros professores na Universidade de Passo Fundo (UPF). Promovida pelo curso de Pedagogia em parceria com a Pró-Reitoria Acadêmica, na última sexta-feira, 30 de setembro, a atividade reuniu estudantes e docentes dos cursos de Licenciatura da Instituição para um bate-papo com o professor Dr. Sérgio Franco, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com o objetivo de analisar e discutir o contexto da formação docente e analisar a resolução.
Com o título “Espaços entre a regulação e a prática na formação de professores: a resolução CNE 02/2019 em questão”, a discussão girou em torno das novas normas definidas pela resolução, que trata sobre a formação de professores e como as instituições de ensino superior podem adequar suas realidades e pensamentos às normas estabelecidas pelo CNE. De acordo com o docente, a polêmica da resolução CNE 02/2019 está no prazo que as instituições têm para se adaptar, considerando que ainda estavam se adaptando à resolução anterior, o que não é comum. “Isso exige das instituições de ensino todo um processo de discussão e de interpretação da resolução e da própria vontade institucional. Então, está trazendo uma necessidade de as instituições discutirem sua filosofia de formação de professores, qual é o caminho que querem tomar e como vão lidar com essa situação, considerando que o prazo para implantação dela foi adiado para adaptação dos cursos até o final de 2023”, explicou.
Em sua fala, Franco contextualizou a educação enquanto um direito social. “Tenho como plano de fundo da minha fala a ideia de que educação é um direito e precisamos ter essas questões bem amarradas, porque se fazemos uma educação de má qualidade, estamos desrespeitando o direito dos alunos, o direito da sociedade”, pontuou.
Para o professor, as políticas educacionais têm que ir para além dos governos. “Acho que esse é o grande desafio: para lidar com educação temos que lidar com inteligência, com estratégia e com muita determinação, inclusive, com um rigor conceitual. Considerando entendemos por formação de professores, quais são os princípios que a universidade defende, e aí não dá para ficar mudando só porque mudou o governo. Não posso jogar tudo fora e começar de novo, afinal o princípio da autonomia universitária é um princípio constitucional e isso a gente tem que se agarrar, mas se agarrar de uma maneira muito competente”, acrescentou.
Entrevista
“A tecnologia nos dá grandes auxílios, nos cria outras oportunidades muito interessantes. Não podemos olhar com preconceito para isso”
Com experiência na área de Educação, com ênfase em Psicologia Educacional, Franco é professor de diversos cursos de licenciatura e dos programas de Pós-Graduação em Educação e em Informática na Educação. Atualmente é Secretário de Educação a Distância da UFRGS. Em entrevista antes do evento, falou mais sobre os impactos da resolução e também sobre os desafios que professores e futuros professores têm em sala de aula.
- É possível exemplificar algum impacto para as instituições de ensino desta nova resolução?
Sérgio Franco: O que se vinha produzindo por causa de uma resolução que foi aprovada em 2015 era uma ideia de formação de professores calcada em uma visão mais ampla do que é a formação de professores, dentro de uma ideia de um projeto de país, de um projeto de justiça social. E essa nova resolução é muito instrumental, ela diz o que tem que ser feito. Se eu pego pelo rigor do que está escrito, eu transformo isso em um manual e vou fazer. E com isso, eu posso romper com os valores da instituição. Mas eu também posso cumprir a resolução dando a marca daquilo que eu quero, e eu acho que é aí que as instituições ficam um pouco receosas, porque vem a cobrança de que se não fizer como está na resolução, vai se dar mal na avaliação do curso. Fazendo isso de uma maneira bem feita, com rigor, a gente consegue trabalhar bem e sim, toda política social ganha um colorido de cada governo, mas as políticas sociais são de longo prazo, então não é algo que pode mudar a cada governo.
- Na sua opinião, quais os desafios que professores e futuros professores têm no futuro da educação?
Sérgio Franco: Como todas as áreas, a formação que temos num curso de graduação não é suficiente. Cada vez menos em todas as áreas. Ela é o ponto de partida, então uma coisa importantíssima é se manter setorizando, fazendo cursos de capacitação para ir se aperfeiçoando. O grande desafio que a gente tem hoje é o desafio da diversidade. Porque não tem mais como voltar atrás e a questão da diversidade hoje está muito mais ampla do que se pensava antigamente. Hoje eu tenho que lidar com pessoas muito diferentes. Eu não sou daquela ideia que a escola do século XXI vai ser necessariamente muito diferente da escola dos séculos XIX e XX. O que é diferente é o seguinte: eu tenho alunos que são diferentes e cada vez menos vale a máxima de que eu vou dar aula para um aluno médio. Tenho que entender que eu tenho o aluno negro, o aluno branco, indígena, eu tenho a aluna e o aluno, a pessoa LGBT, eu tenho identidades diferentes, visões de mundo diferentes e tenho que saber lidar com isso e acredito que esse é o grande desafio.
E claro, tem a questão das tecnologias que temos que ir nos apropriando, mas o ponto central do processo educativo é a troca humana e isso tecnologia nenhuma tira. Tenho que aprender a fazer essa comunicação, esse diálogo, mesmo usando tecnologias e aí vem todo o ponto, assim como para a instituição, não abrir mão de determinados princípios. O processo pedagógico é um processo que é evidentemente ético, ele é de relação entre as pessoas e esse é o desafio que temos que estar sempre refletindo, sempre retomando.
Então, se pudesse dizer alguma coisa para os futuros e novos professores é não deixem nunca de refletir sobre isso, de pensar sobre isso, de pensar sobre o que é essa relação com esse aluno, para que a gente possa construir realmente um processo educacional. Na nossa civilização se escolheu usar o processo escolar para isso, é uma saída, a gente quase não conhece outra, mas ela foi uma saída que historicamente se constituiu e a gente tem aí a mão, e precisamos valorizar ela. E aí entram os desafios maiores: temos cada vez menos professores, isso traz sobrecarga de trabalho, a luta pela valorização da profissão, que é um problema mundial. Precisamos atacar isso, isso é resistência, isso é compromisso de classe.
- Com a pandemia, os modelos de ensino precisaram ser repensados rapidamente. O que funcionou e o que não funcionou? O que aprendemos com essa experiência?
Sérgio Franco: É difícil dizer o que aprendemos porque dá para ver que não aprendemos tudo que devíamos ter aprendido. Mas uma coisa boa foi que se caíram certos mitos sobre a tecnologia. Especialmente na área educacional, era muito comum uma resistência muito ferrenha ao uso de tecnologias. Não, a tecnologia nos dá grandes auxílios, ela nos cria outras oportunidades muito interessantes. A gente não pode olhar com preconceito para isso. Mas também não podemos transformar isso em uma panaceia. Sempre defendi a ideia de que não devemos discutir se tal curso tem que ser a distância, se tal nível de ensino pode usar a educação a distância. A discussão tem que ser o que pode ser a distância em cada curso, o que pode ser a distância em cada nível. Sim, eu posso usar situações que já se usava, como o estudo dirigido. Agora, eu não posso dizer que vou substituir todas as aulas por aulas remotas, porque é muito diferente a gente estar conversando assim, pessoalmente, do que pelo computador.
Então, acho que a gente aprendeu a não rejeitar completamente, mas ainda não aprendeu como integrar. Penso que temos um desafio muito grande de como integrar bem essa questão tecnológica, como podemos fazer com que essas coisas conversem, porque assim como um grupo de amigos conversa muito pelo Whatsapp, eles também se encontram presencialmente. E assim também a gente pode, no processo pedagógico, ter o momento presencial, ter o momento que não é presencial, mas diferente do grupo de amigos, no processo educacional nós temos algo que é intencional, então tem que planejar isso e encontrar um equilíbrio. Agora, temos o desafio: fizemos essas experiências com a pandemia, certas coisas deram certo, certas coisas não deram tão certo, certas coisas deram mais certo na graduação do que na pós-graduação, essas coisas a gente precisa agora chegar e construir, sem preconceitos, mas também sem entusiasmo demais, com pé no chão para podermos avançar.
- E quanto aos estudantes, considerando a grande desigualdade a à falta de acesso à tecnologia, como fazer com que todos tenham oportunidades iguais?
Sérgio Franco: Essa é uma questão importante porque comunicação tem que ser uma política social. Vejo que esse é um problema que temos porque, por exemplo, quando se fez o leilão do 5G, ficou muito claro o quanto a lógica do lucro e do benefício social não se conversam, porque os lotes que diziam respeito a colocar conectividade nas escolas acabaram não tendo interessados, somente em alguns que tinha junto com grandes centros entraram. E aí precisa ter uma política social para pensar como vamos usar dinheiro público para isso. Mas realmente, se não investirmos em conectividade para a população como um todo, só vamos criar mais distanciamento social, que é o que aconteceu muito durante a pandemia.
E aí, tem uma coisa importante: a internet é uma grande coisa, mas não é a única forma de comunicação. Para mim, um dos grandes erros do Brasil durante a pandemia foi não ter usado a televisão na educação. Temos cobertura nacional de televisão. E isso mostrou uma falta de visão dos governantes em todos os níveis, inclusive nos estados também. O Rio Grande do Sul, por exemplo, começou a usar a TVE depois de meio ano, e isso era algo que devia ter sido usado no dia seguinte. As televisões são concessões, não era uma coisa impossível, até porque isso tem toda uma repercussão social. Alguns países usaram muito bem e nós temos que pensar na integração de tecnologias. O rádio continua existindo, a TV continua existindo, a internet está aí com várias possibilidades.
Alguém pode dizer que a TV e o rádio não são interativos, só que boa parte do que usamos na internet não é interativo. Então, eu tenho que usar a internet como uma ferramenta de educação muito mais do que comunicação, e aí a integração das tecnologias é super importante. A gente pode fazer coisas bem interessantes se trabalhar com essa visão. Mas isso tem que ter investimento público, não podemos esperar que caia do céu, é um custo necessário. Da mesma forma que a gente não tem como não pensar que uma família de classe média pode não ter internet em casa, não tem como um governo municipal ou estadual não custear conectividade nas escolas. Isso é uma omissão indesculpável para os governos. É caro sim, mas fazer educação é caro.