Por: Assessoria de Imprensa
No Dia da Mentira, 1º de abril, confira uma visão filosófica sobre um tema tão complexo
“A mentira tem perna curta” e o “O Diabo faz a panela, mas não faz a tampa” são só algumas das expressões populares sobre o ato de mentir. Mas afinal, por que as pessoas mentem? Para responder essa pergunta, que não tem uma única resposta, o mestre em Filosofia e doutor em Educação, Marcelo José Doro, coordenador do curso de Filosofia da Universidade de Passo Fundo (UPF), apresenta algumas reflexões filosóficas sobre o tema, que já foi abordado no podcast Ouse Saber, iniciativa do curso de Filosofia da UPF. Mas ele avisa: “o principal ponto da reflexão filosófica sobre a mentira é se ela é sempre condenável, do ponto de vista ético”. Mas uma coisa é certa: “Não mentir é um princípio importante”.
- O que a Filosofia tem a dizer sobre mentira?
O principal foco da reflexão filosófica sobre a mentira é se ela é sempre condenável, do ponto de vista ético. Quem mente sempre faz algo errado ou haveria, talvez, situações em que a mentira poderia ser tolerada ou, mais que isso, situações em que ela poderia ser preferível em detrimento da verdade? Essa é uma discussão complexa, porque, de um lado, a mentira constitui uma afronta à dignidade das pessoas que são por meio dela enganadas e, além disso, envolve a criação de exceção para a regra geral de “dizer a verdade”, que é um fundamento da vida em sociedade. Por outro lado, não é difícil pensarmos situações em que a mentira poderia até mesmo salvar vidas, como quando informações enganosas direcionadas um criminoso viabilizam sua emboscada. Ainda, nesse sentido, uma situação muitas vezes enfrentada é o dilema de contar ou não para um doente terminal, especialmente se for uma pessoa de idade avançada, sua real condição. Decisões desse tipo não são simples e demandam dos envolvidos a observância de alguns princípios que consideram o bem-estar do paciente. A filosofia reconhece, nessas discussões, a validade da condenação da mentira como regra geral. O desafio é identificar momentos em que mentir pode ser justificável por uma perspectiva racional.
- Mentira e falsidade são sinônimos?
Primeiro, uma distinção: a mentira não tem necessariamente a ver com a verdade ou a falsidade das informações, mas com a intenção de quem as transmite. De forma simplificada, pode-se dizer que mentimos quando transmitimos intencionalmente uma informação que sabemos ou acreditamos não ser verdadeira, com o intuito de enganar alguém. Então, por exemplo, se passarmos adiante uma fake news, acreditando tratar-se de uma verdade, não estamos mentindo, porque não temos intenção de enganar. O problema, nesse caso é distinto: é falta de criticidade. Por outro lado, quem produz uma fake news está claramente mentindo, pois a intensão desde o início é induzir ao erro.
- É possível dizer, a partir da Filosofia, por que as pessoas mentem?
É difícil apontar razões em geral que levam as pessoas a mentir. Há uma variedade muito grande de causas que podem explicar comportamentos mentirosos, que vão de questões culturais e educacionais até de ordem afetiva e emocional. Para uma análise desse tipo, as variáveis envolvidas em cada situação têm grande importância. Por exemplo, por que Joãozinho mentiu para a professora sobre ter estudado? Não conseguimos responder essa questão sem dispor de um conhecimento mais amplo sobre o contexto da mentira e sobre o próprio Joãozinho. Às vezes, mentimos para nos beneficiar, mas também podemos mentir para preservar os outros.Há muitas e diversas razões para mentir – e para não mentir também, claro.
- O que há na condição humana que viabiliza a mentira?
Diferente é a questão sobre as condições de possibilidade da mentira em geral. O que há, afinal, na condição humana que viabiliza a mentira? Estratégias de “enganação” até existem em outras espécies animais e mesmo vegetais (pensando no modo como algumas plantas carnívoras conseguem seu alimento). Nesses casos, a “mentira” surge, sobretudo, como estratégia de caça ou de acasalamento, mas em geral trata-se de comportamentos padrão que evoluíram com o grupo, não de uma capacidade encampada particularmente por cada indivíduo. Nada comparável com a dinamicidade e importância que a mentira adquire entre nós. E o que parece melhor explicar esse florescimento excepcional da mentira entre os seres humanos é o fato de nossa compreensão da realidade ser mediada pela linguagem. Isso faz toda a diferença, porque no plano simbólico, podemos reordenar as coisas de diferentes maneiras, inclusive de formas diferentes daquelas assumidas pelos fatos. Mais que meramente representar o mundo, a linguagem permite projetar mundos possíveis. E, nessa perspectiva, a mentira é apenas a pretensão de afirmar como fato uma possibilidade que não se realizou. Ou, como disse o poeta Mário Quintana, “a mentira é uma verdade que esqueceu de acontecer”. A literatura e o cinema também descrevem possibilidades que não correspondem ao mundo, ao real. Mas nesse caso não se trata de mentira, pois não há intenção de enganar. Está claro desde o início que é ficção.
- Sempre falar a verdade ou uma mentirinha de vez em quando é justificável?
A regra geral é falar a verdade, mas existem exceções que parecem justificáveis. Em muitas situações do cotidiano é até relativamente fácil avaliar as vantagens de pequenas mentiras, que são mais benéficas à convivência do que a própria verdade. As pessoas dizem “venha me visitar” e mesmo nos casos que sabemos que isso não vai acontecer, a gente diz “sim, eu irei”. Assim, a mentira encaminha um desfecho tendencialmente mais harmonioso para o encontro do que a resposta sincera “não pretendo te visitar”. Há momentos em que parece até haver um acordo tácito das pessoas em torno de pequenas e inofensivas mentiras. A pergunta “estou bonito ou bonita?”, em alguns casos, não tem a intenção de obter uma resposta sincera, apenas uma resposta motivacional (mesmo que mentirosa). O problema, quanto a essas mentiras, é a demarcação da fronteira, nunca muito clara, entre aquelas que de fato são inofensivas e aquelas que já trazem efeitos potencialmente negativos.
- A Filosofia fala sobre tipos de mentiras?
Para a filosofia, interessa principalmente a identificação das mentiras em relação às categorias éticas do certo e do errado, do justificável e do não justificável. Mas há, evidentemente, outras classificações a serem consideradas. Há o grupo das mentiras propositivas, que anunciam algo sabidamente falso. Contrastando com estas, há as mentiras por omissão, quando se oculta a verdade em situações em que se poderia ou deveria manifestá-la. Um grupo especial de mentiras é daquelas induzidas a partir de pequenas verdades, como quando é divulgada apenas parte das informações sobre um acontecimento, levando as pessoas a produzirem uma visão distorcida do que realmente aconteceu. Existem as mentiras pequenas e as grandes, as plausíveis e as implausíveis, as informais e as oficiais, as que viram fofoca e até as que supostamente viram “verdade”. E a pior de todas, que, segundo dizem, é a mentira auto infligida.
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