Por: Natália Fávero - Assessoria de Imprensa
As estiagens são cíclicas e previsíveis, mas as ações continuam sendo paliativas. O que pode ser feito?
As interferências do fenômeno La Niña na safra 2021/22 no Rio Grande do Sul (RS) provocaram uma das piores estiagens da história do estado gaúcho. São mais de 420 municípios em situação de emergência decretada (Defesa Civil RS), ou seja, mais de 80% das cidades do estado. Situações extremas, especialmente as presenciadas nas últimas duas safras na região Sul do Brasil, evidenciam um apelo por alternativas milagrosas e instantâneas, quando na verdade as estratégias de mitigação do déficit hídrico devem ser desenvolvidas a longo prazo. Esse tema é recorrente na Expodireto Cotrijal, que está em sua 22ª edição e ocorre de 7 a 11 de março, em Não-Me-Toque, região bastante atingida pela falta de chuva. Nesse sentido, o professor da Universidade de Passo Fundo (UPF), doutor em Agronomia, Mateus Possebon Bortoluzzi, comenta algumas formas de prevenir e minimizar os impactos da estiagem nas lavouras.
Situações de déficit hídrico, basicamente atreladas à falta de chuva para atender a demanda de água pelas plantas, são frequentes nas culturas de verão no Rio Grande do Sul. No entanto, nem sempre as estiagens abrangem praticamente todo o estado com tanta intensidade quanto à verificada na atual safra agrícola 2021/22. Conforme dados da Emater-RS, os efeitos da estiagem já ultrapassaram 250 mil propriedades gaúchas com perdas significativas. Em levantamento divulgado pela Emater na Expodireto, em relação à estimativa inicial (33,6 milhões de toneladas), haverá uma perda de pelo menos 41,9% (19,5 milhões de toneladas) na produção média estadual dos principais grãos de verão (soja, milho, feijão e arroz).
Cenários de estiagens são cíclicos e previsíveis. “Se voltarmos um pouco na história, é possível identificar outros eventos semelhantes como os que ocorreram nas safras 1942/43, 1944/45 e 2004/05. Nessa última (2004/05), de acordo com dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a produtividade média de grãos de milho e soja no RS foi de apenas 1269 kg/ha e 698 kg/ha, respectivamente”, aponta o professor da UPF.
La Niña presente nos períodos de estiagens
Na grande maioria desses eventos, verifica-se a coincidência com a fase La Niña, parte do fenômeno El Niño Oscilação Sul (ENOS), que ocorre no Oceano Pacífico Equatorial. O evento La Niña, caracteriza-se pelo resfriamento abaixo do normal das águas do Oceano Pacífico, enquanto para o evento El Niño, há um aquecimento acima do normal. Essas mudanças na temperatura do oceano, associadas a mudanças na pressão e na circulação atmosférica ocasionam efeitos na temperatura do ar e na precipitação pluviométrica em várias partes do globo terrestre. “Para o RS, verifica-se historicamente uma redução da frequência e magnitude da precipitação em anos de La Niña. A safra de verão 2021/22 ainda está sob influência desse fenômeno. Isso provavelmente colaborou significativamente para que fossem registrados valores de chuva bem abaixo da média histórica no estado”, observa Bortoluzzi.
O International Research Institute for Climate and Society (IRI) e o Climate Predicton Center (CPC) indicam probabilidade de 83% e 67% de que os próximos trimestres, fevereiro-março-abril e março-abril-maio, respectivamente, continuem apresentando condições de La Niña. No entanto, já há projeções que indicam que o fenômeno está perdendo força. “Se verifica um aquecimento das águas do Pacífico, bem como condições de aquecimento acima do normal do Oceano Atlântico na latitude do RS, o que pode ter contribuído para o retorno de chuvas mais significativas para o estado nas últimas semanas”, ressalta o professor da UPF.
Mas se o La Niña é previsível, o que pode ser feito para mitigar o déficit hídrico?
- Buscar um sistema de produção rentável e sustentável
A falta de água reduz a produtividade no setor agropecuário. A área irrigada vem crescendo no Brasil, chegando a mais de 8,2 milhões de hectares ou 12% da área destinada à agricultura. Conforme o professor da UPF, avanços promissores na área de bioinsumos já existem, como o uso de rizobactérias, e avanços genéticos, como a tecnologia HB4, que promove tolerância ao déficit hídrico. Apesar das evoluções, Bortoluzzi observa que na grande maioria das propriedades sem irrigação cabe aos produtores e técnicos buscarem alternativas para atenuar os problemas relacionados ao déficit hídrico, que na maioria das vezes, são soluções pontuais e de emergência, que não resolvem o problema que é recorrente.
“É preciso buscar a construção de um sistema de produção rentável e sustentável. Entender a propriedade e as áreas como um sistema interligado é o primeiro passo para alcançar esse objetivo”, comenta.
- Melhorar a infiltração e retenção de água no solo
Nesse sentido, a implantação de um sistema de rotação de culturas eficiente, com cobertura de solo durante todo o ano, possibilita a melhoria do perfil de solo.
“A ausência de limitações químicas, físicas e biológicas para o crescimento de raízes permite a retirada de água de camadas mais profundas do solo. A cobertura vegetal constante reduz as perdas de água por evaporação e gera um grande aporte de matéria orgânica no solo, melhorando a porosidade e a estrutura do solo. Com isso, há um aumento da infiltração e da retenção de água no solo, a qual poderá ser utilizada posteriormente pelas plantas na ausência de chuvas”, pontua o professor.
- Culturas sensíveis ao déficit hídrico devem ser evitadas em períodos de pouca chuva
Outro aspecto importante, é evitar a coincidência das fases da cultura mais sensíveis ao déficit hídrico com o período em que historicamente falta mais chuva para atender o seu consumo.
“A correta escolha dos genótipos e da época de semeadura, priorizando o escalonamento de datas, auxilia na diluição do risco”, comenta Bortoluzzi.
- Incentivar ações voltadas ao armazenamento de água e à irrigação
Considerando que o RS apresenta um regime pluviométrico do tipo isoígro, ou seja, as chuvas são bem distribuídas ao longo do ano, há um enorme potencial para o armazenamento de água visando a sua utilização em momentos de estiagem, o que pode ser feito por meio da construção de barragens.
"Assim, políticas públicas constantes (e não criadas depois que o problema já ocorreu) devem estar voltadas para possibilitar e incentivar não apenas a captação de água nas propriedades, mas também os processos de elevação, condução e distribuição da água, por meio de sistemas de irrigação", ressalta.
- Investir na propriedade e em conhecimento
O professor destaca ainda que cabe ao produtor fazer investimentos assertivos em momentos favoráveis, melhorando o solo e a estrutura da sua propriedade, tornando-a mais resiliente para contornar problemas em cenários adversos, incluindo os relacionados à falta de água. Além disso, os produtores devem estar sempre em busca de atualização e conhecimento.
“É preciso incentivar os produtores e técnicos a estarem sempre bem atualizados, buscando agregar conhecimento, o principal insumo para o sucesso no campo”, afirma o professor da UPF.
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