Por: Assessoria de Imprensa
Fotos: Carla Vailatti
Conferência internacional debateu os paradoxos da Medicina e os desafios na formação de profissionais na contemporaneidade
Em 1988, pesquisadores escreveram um artigo sobre os paradoxos da Medicina. A conclusão, na época, foi de que a melhora no estado de saúde, não vinha necessariamente acompanhada de um “sentir-se bem”. Ao invés disso, as pessoas vinham reportando um alto crescimento de desabilidades, sintomas e um distanciamento com a sua saúde. “É algo estranho: quanto mais estamos bem, mais reclamamos que estamos mal”, provocou o médico italiano Marco Bobbio. A fala serviu de introdução para a conferência “Os Paradoxos da Saúde e a Formação Humana”, ministrada pelo médico na noite de quinta-feira, 10 de novembro, na Universidade de Passo Fundo (UPF).
A convite do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGEdu) da Universidade e do PROJETO Associação Científica Psicanálise e Humanidades, o pesquisador abordou a temática a partir de seu livro “O doente imaginado: os riscos de uma medicina sem limites”, mais especificamente o capítulo 8 intitulado “O paradoxo da medicina”. O encontro teve como objetivo discutir os desafios da saúde na contemporaneidade e sua relação com a formação dos profissionais, ampliando o alcance social desta discussão para instituições públicas e privadas, como Secretarias de Educação e de Saúde de municípios da região, instituições formadoras de profissionais da saúde, APAEs, hospitais, escolas de educação básica, entre outras.
Entender os limites da Medicina nos fará viver melhor
“Estudar os paradoxos da Medicina pode ser muito exultante, porque lhe coloca defronte a situações inesperadas e é muito motivador”, iniciou o médico Marco Bobbio. Filho do filósofo e pesquisador Norberto Bobbio, Marco é um dos grandes defensores da Slow Medicine, uma filosofia que destaca uma medicina sem pressa, em que há uma conexão mais intensa entre médicos e pacientes. Em sua fala, Marco apontou alguns dos maiores paradoxos da Medicina atualmente, como, por exemplo, o fato de que o ser humano vive cada vez mais e, com isso, surgem novas doenças. “Quando o ser humano morria jovem, não tinha tempo de desenvolver doenças como artrose ou Alzheimer, e isso foi mudando”, frisou.
Outro ponto destacado pelo médico é o fato de que, apesar de estarmos cada vez melhores, estamos preocupados com a possibilidade de desenvolvermos alguma doença no futuro. Na opinião de Marco, isso acontece porque existe um mercado que empurra pessoas saudáveis a acreditarem que precisam adquirir ou comprar algum medicamento. “Curar alguém doente traz muito proveito, mas curar alguém que não está doente é muito melhor. São muito mais pessoas que não estão doentes, então o lucro é muito maior”, acrescentou.
Esse mesmo mercado, ainda de acordo com o médico, é o que vende a ideia de que a saúde pode ser comprada ou adquirida de alguma forma. Ao exemplificar, Marco destacou a comodidade de poder comer tudo que quiser e depois tomar alguns comprimidos e ficar bem. Na opinião dele, o ser humano está constantemente preocupado em estar bem, que acaba gastando muito dinheiro, seja com medicamentos, seja com planos de saúde ou seguros de vida. “Esta é a situação atual: em algum momento vamos adoecer e depois morrer. Nosso propósito enquanto médicos não é prolongar a doença, mas mudar o momento em que se fica doente”, disse.
A essa constante preocupação com algo iminente, com algo que possa vir acontecer, o pesquisador deu o nome de “o doente imaginado”. Em sua fala, Marco ressaltou que o núcleo do doente imaginado está nas etiquetas que são postas no doente, que deveriam servir para a comunicação dos profissionais da área, mas em vez disso se transformam em uma condenação. Como, por exemplo, quando alguém que é diagnosticado com pressão alta e acaba desenvolvendo doenças mais graves relacionadas. “Isso é realmente um problema, porque a Medicina não é consciente da sua própria força e não se dá conta de que uma palavra a mais pode condenar a vida de uma pessoa. Penso que se conseguirmos aprender a refletir sobre quais são os limites da Medicina isso nos fará viver muito melhor”, finalizou.
Educação e psicanálise juntas para construir um mundo melhor.
Parceiro do PPGEdu, o PROJETO é uma iniciativa dedicada à transmissão da psicanálise através da formação de analistas e da difusão do pensamento psicanalítico. Presidente da instituição, a médica Doris Santos destacou a parceria com a Universidade, somando os interesses comuns da educação e da psicanálise na direção de construir um mundo melhor. “Consideramos a educação um campo privilegiado para o exercício da prevenção primária em saúde mental. Esse é o sentido de mais esse momento de trabalho compartilhado. Os interesses já não são o bem-estar dos sujeitos, mas os fins de consumo e mercado e isso se aplica a absolutamente todas as áreas. Que possamos fazer uma análise ampla do quão difícil e necessário é desenvolver e preservar nossa capacidade de discriminar a natureza perversa dessas práticas que carregam consigo uma distorção de finalidade”, pontuou.
Para a reitora da UPF, professora Dra. Bernadete Maria Dalmolin, a conferência foi um momento de pensar a forma como profissionais e futuros profissionais fazem saúde e como pensam a sociedade. Na opinião dela, o encontro foi um convite a uma reflexão, sobretudo diante de um contexto de sociedade do consumo, que faz com que outros elementos entrem em ação e falem mais alto, muitas vezes, do que as necessidades das pessoas. “Somos uma Universidade que trabalha o campo da saúde há mais de 60 anos e durante esses anos todos lutamos para uma formação integral, que olhe o sujeito na complexidade da vida, e cada vez mais esse tema nos convoca a aprofundar os paradoxos que o acompanha”, destacou.
Também participaram da conferência os professores Dr. Claudio Almir Dalbosco e Dr. Francisco C. Santos Filho, sob mediação do diretor do Instituto de Humanidades, Ciências, Educação e Criatividade (IHCEC) da UPF Dr. Luiz Marcelo Darroz.
Assista à conferência completa:
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